domingo, 10 de agosto de 2008

Chapa Quente




As correrias de Carlitos

As experiências são adquiridas pelas necessidades que surgem em nosso caminho, algumas são boas, outras não, mas todas nos ensinam algo muito importante.

Pensando na necessidade de ter um bom advogado para não ficar muito tempo engaiolado, os manos já começaram a investir no futuro deles próprios. Bolaram a estratégia de ter alguém que conhece a história dos guetos e realmente pensa na libertação de um mano, mesmo sabendo da culpa de cada um. Para isso estão tentando cursar a faculdade de Direito, conhecer melhor as leis que existem, para tirar proveito no momento de apuro ou até mesmo patrocinando o curso de Direito para os moleques que queiram enfrentar os cinco anos de estudos complicados e depois não vão deixá-los na mão.

Numa de suas encrencas, o Carlitos sentiu na própria pele a experiência de ser engaiolado e sofrer nas mãos dos policiais, e isso ele vai carregar para o resto de sua vida também, afinal, depois das aventuras no crime veio o primeiro castigo da lei dos homens.

Tudo começou com o plano de assaltar um supermercado do lado sul, dentro do próprio Capão Redondo. Ele e dois manos chegados deveriam render o gerente, levar a grana e pronto, partir pra comemoração. Mas algo deu errado e a polícia apareceu. Não se soube se denúncia ou azar mesmo, mas no corre-corre entre todos que por ali passavam ainda houve a troca de tiros, os PMs atiraram sem dó, para matar mesmo, mas eles já não estavam dentro do supermercado, e os outros dois conseguiram fugir, enquanto Carlitos foi atingido na perna e no abdômen, e o saco de dinheiro encontrado ao lado dele...

Contudo, o cara foi levado para o Hospital Campo Limpo como suspeito, afinal a arma não estava na mão dele (claro que a polícia sabia que de suspeito ele só tinha o nome naquele momento).

Carlitos ficou muito mal, baleado sem muita assistência no açougue que era aquele hospital, esperava o tempo inteiro a ajuda dos manos, que com certeza já pensavam em uma forma para fazer o resgate do companheiro. Os planos corriam muito rápidos e parecia que tudo ia sair como desejado, mas algo deu errado, e os gambés ficaram sabendo. Provavelmente tiveram algum cagüete. Apareceram de repente no quarto e só disseram as poucas palavras...

- Pensou que ia se sair bem, malandro? Querendo dá uma de loki, né? Tá enganado, não vamos dar tempo pra seus amigos te tirarem daqui!

A decepção foi clara, agora ele estaria realmente numa pior, foi levado direto para o distrito.
Carlitos teve sorte na cadeia, na cela em que foi jogado cruzou com alguns caras que já o conheciam do bairro e o admiravam, e foram esses companheiros de cela que o ajudaram na recuperação com remédios, curando as feridas e arrumando os curativos. Ficou debilitado por conta das feridas de bala, e por isso não foi jogado no chão frio como os que acabam de chegar, ficou na rede e também ganhou o respeito de alguns que ali estavam.

O tempo passou. Foram dez meses entre audiências para obter a absolvição, e nesse período cruzou com um mano do Jardim Macedônia, isso na época em que os bairros ainda se estranhavam, e o cara começou a falar mal do Rosa para os companheiros de cela, sem se dar conta de quem poderia estar ali (mais um exemplo de como os peixes morrem pela boca).

Carlitos não podia dar uma de bobo mostrando fragilidade para o inimigo, ele era o representante da turma do Rosa e os outros sabiam disso, então, deu um pulo da rede, e encarou o maluco de frente, precisava impor respeito e mostrar para os outros que era um criminoso de verdade e não um pilantra qualquer que comete delitos com a comunidade. Trocou idéia com o cara e resolveram ficar na paz sem difamar um ao outro. Depois desse acontecimento precisava se preparar para o pior, a morte é traiçoeira, e para isso fez sua faca com pedaços de ferro encontrados na cela, para garantir a proteção pessoal. Se o maluco vacilasse, ele ia subir sem perdão!
Nessa vida de crime era preciso muita humildade para sobreviver, o mano tinha que ser homem de verdade, procurar correr sempre pelo certo e seguir a cartilha do crime organizado sem sacanagem. Procuravam seguir uma ideologia de criminoso, e não pilantra, como ele falava.
O dinheiro ainda compra as pessoas, e essa foi a sorte de Carlitos para garantir sua liberdade. Uma parte da grana molhou a mão dos policiais para que não o denunciassem com o flagrante no crime, e outra parte molhou a mão do gerente do supermercado, afinal, ele era somente um funcionário e não quis arriscar sua vida com mixaria. No dia do julgamento o Carlitos foi absolvido e ainda ficou tido como um inocente, condenado a dez meses por um crime que não cometeu e perecido por meses baleado no tiroteio por engano. Como são as coisas, meu mano estava de novo nas ruas e com seu sorriso largo estampado no rosto, pra comemorar convidou os Cavaleiros pra tomar uma breja, e foi lá que contou esse episódio.
Mas o assunto ocorrido na cela correu com o vento, e os pilantras levaram o nome de Carlitos para a boca dos manos do Macedônia, e não foi com coisas a seu favor (a história foi contada diferente, para apimentar o acontecido). São em brincadeiras assim que muitos manos morrem de bobeira nas esquinas do destino. Após saber do risco de vida, e que não poderia mais andar de bobeira pelo bairro, porque a qualquer hora podia ser pego com uma bala na cabeça, ele tratou logo de resolver a treta, era melhor ir até os caras na humildade e tentar explicar a situação.
- O esquema era falar de cara, fazendo tudo certo, tava mil graus e se ele vacilasse podia subir na hora. Desci pro Macedônia e chamei os manos pra conversa, enquanto um ficava na isqueragem, atiçando com mentiras para os caras me apagarem logo, um outro mano pediu calma.

Os caras ficaram surpreendidos com as palavras dele. Tocaram na mão e disseram que só pelo papel de homem ele merecia ficar vivo, que ninguém ia mexer com ele e teria a garantia dos grandes do Macedônia, podia seguir tranqüilo (tá certo que ninguém fica tranqüilo numa situação dessa, mas ao menos tinha tirado um peso da cabeça).
Mais uma vez livrou-se de uma treta feia que podia levá-lo à morte, e como ele disse, estava pronto para outra.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Os feras na Perna de Pau


Bateu um vento forte

Quem dera poder voltar aos velhos tempos onde ser criança não era um tormento.

Poder brincar pelas ruas sem medo de ser atingido por uma bala perdida, encontrar um bandido, que possa torná-lo um futuro perigo.

É duro ter que acreditar que seus amigos de infância acabaram nas quebradas da vida, morrem pelos cantos, pelos encantos e desenganos. A molecada dando depoimento das tragédias e acontecimentos, olhos arregalados, morte por um fio, uma briga, uma dívida, mais um corpo estendido, foi mais rápido do que vimos.
Uma ventania levou os bons tempos, onde assistir ao Sítio do Pica-Pau Amarelo era o melhor momento. Ver os heróis japoneses como Jaspion, meu sonho era ser um desses; todos eram amigos, não víamos o perigo.

“Era bent-alta, rouba bandeira, pula pique esconde, tudo que é bom é brincadeira, vida de moleque é vida boa, vida de menino maluquinho!”

Muitos daqueles rostos inocentes acabaram sem dentes, tiro no corpo, choro em coro, dá desgosto pela vida e clemência pela fuga. O Notícias Populares faz conhecido nosso bairro, notícia ruim impressa, foto publicada ao lado, eis o artista do bairro, Jardim das Rosas fica famoso.

A violência aumentando, e um pequeno rato num labirinto cheio de inimigos, é assim que nos sentimos! As crianças que estão nascendo já não viverão em bons tempos. A era da magia, da fantasia e alegria abrem caminho para a tecnologia; brinquedos eletrônicos, tiros em família, novo mundo da hipocrisia.