sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A vizinha

Hoje faço aniversário, e de presente recebi uma nova vizinha. A princesa chama-se Maria e sua rainha Claudete. Quando o caminhão de mudanças chegou foi uma alegria só, era uma vizinhança que recepcionava bem os novos moradores, apesar dos pesares. O caminhão foi aberto e algumas pessoas ajudaram a descarregar e mobiliar a casa alugada. Maria tinha uns 17 anos, com seu cachorrinho no colo, um vira-lata cor de pele, de rabo fino e cara de bobo; bem simpático, até! Não eram muitos móveis, mas aquela família trazia nos olhos uma grande bagagem.
Os olhos são as janelas da alma, quem consegue penetrar um olhar pode ter as palavras certas na ponta da língua, o que evita muitos erros posteriores. Decifrar um olhar vale tanto quanto uma jóia rara, ainda mais, talvez, porque isso o dinheiro também não compra. Nos olhos estão a melhor proposta de negócio, o desejo do próximo, a inveja, o ódio, e o amor. O brilho nos olhos é único em cada pessoa, pena que muitos não dêem valor a esse minucioso detalhe.
Maria tem um irmão chamado Fernando, esse era a figura mais estranha da família, tava na cara que era um viciado em drogas. Tudo de bom que Maria transmitia, da meiguice à tranqüilidade, o maluco transmitia de ruim.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Campeão Continental

No começo ninguém entendia muito bem o que era esse esporte chamado boxe. De repente, os mais velhos começaram a falar o tempo inteiro na porta dos botecos sobre o Marrom e que ele provavelmente chegaria a ser como o Eder Jofre, o grande campeão de boxe, e daria o maior orgulho para a comunidade do Rosa.
Alguns o chamavam de Clarão, outros Marrom, como dá pra perceber o cara era um negão de mais ou menos um metro e oitenta, um garotão que começou a treinar na academia que ficava em cima do açougue no alto do Jardim das Rosas. Todos conheciam o Marrom, pelo menos de ouvir falar, ele também freqüentava os Bambas, e trocava idéia com todo mundo de boa. O cara era humilde pra caramba. Por ainda ser muito pivete, eu não tenho muitas lembranças dele como pessoa, mas não podia deixar de falar sobre ele.
O ano do título foi, se não me engano, 89 ou 90, ganhou o cinturão de Campeão Continental, e todos começaram a espalhar a notícia.
- O Marrom é campeão, galera!
A molecada como sempre só ganhou mais um ídolo, o negócio era lutar, e ganhar dinheiro para ficar rico igual a Marrom.
Depois do título vieram as reportagens na tevê, em diversos programas e jornais, fotos nos jornais, era a hora do sucesso. O negão ganhou a fama e se tornou mais conhecido do que nunca, o cara acabou largando a mulher e os filhos. Aí, a ficha dele ficou um pouco queimada, afinal, ninguém achava justo tal coisa, mas como sempre, cada um sabe o que faz!
Como toda subida, sempre surge a hora da descida, mas o B.O., é que no boxe a descida tem queda brusca, sem tempo de raciocínio. De repente o grande Marrom foi à lona, era a disputa de mais um título, e o cara que o derrubou ainda hoje é famoso, o tal Ezequiel Paixão apagou o Clarão em todos os sentidos.
Aquele dia foi muito triste, todos comentaram, os jornais noticiaram, e a família entrou em desespero. Clarão foi parar na UTI, estava em coma, e o negócio foi bravo, no auge da carreira uma porrada na cabeça quase matou o Clarão.
Mesmo depois de longo tempo, tratamentos e reabilitação, o Marrom nunca mais foi o mesmo, acho que ele ficou com seqüelas e parou de treinar. Não sei o que é dele hoje, mas ninguém nunca mais ouviu sobre ele. A galera mais jovem nem sabe que no Jardim das Rosas também nasceu um campeão.
Essa é a parte chata, leitor, muitas vezes as nossas glórias não são eternas, talvez porque não tenham sido tão importantes. São milhares de estrelas que se acendem e se apagam, e depois somos obrigados a conviver com a escuridão, e olhar fotos velhas recordando bons momentos vividos e conviver com o fantasma do esquecimento, pensar que jamais poderão continuar do ponto parado. A história do Marrom foi assim, qualquer hora vou procurar saber o que o campeão de 89 faz da vida.
O clarão nunca mais acendeu.

domingo, 21 de junho de 2009

Senhor tempo bom


O tempo vai passando e, com exceção da Vera Fisher, todos estamos envelhecendo muito rápido, pelo menos aqui na periferia, onde os produtos de rejuvenescimento são privilégios de quem deixa de comer para comprar o tal Renew. As marcas da idade são muito visíveis em nossos rostos, alguns aparentam muito mais idade do que realmente têm. Mas a forma mais banal que posso perceber como o tempo está voando é como expressões, ditados populares, brincadeiras, jogos, desenhos animados da tevê, músicas que eram tão maravilhosas, e até doces que vendiam em qualquer esquina ficaram tão distantes de mim, muitos já desapareceram das prateleiras.
Como já disse para você, sou mesmo uma criança dos anos 80, e como naquela época criança era criança por muito mais tempo, ainda tive muitos privilégios de criança até meados da década de 90, e descobri, por meio de reportagens na tevê, que essa minha geração, em todos os cantos do país, sente muita saudade dessa época e gosta de reviver esses momentos com os amigos sempre que surge uma oportunidade. Talvez por ser uma época na qual a fantasia e a verdadeira infância estivessem muito presentes. Não vejo adultos de outras épocas querendo reviver a infância. Atualmente as crianças querem ser adultos muito rápido e com ajuda dos pais são modelos, executivos, cientistas ainda muito pequenos. Adultos em miniatura, eu diria.
Andei formulando uma lista do que de melhor existiu numa época de diversões diárias e muitos sonhos. Digo isso porque muitas vezes me pego relembrando fatos que eu contava para os amigos acreditando ser verdade, mas na real não passavam de sonhos. Após um dia de aventura eu tinha normalmente uma noite de aventura com muito mais perigo, e conhecia lugares que nunca freqüentei ou havia visto (garotinho de mente fértil). Não sei se iludidos, mas éramos felizes.
Ricardo cruzou o portão da minha casa outro dia e resolvi compartilhar as lembranças. - Isso soa como um disco arranhado, Cassiano.
- Pior é você, Ricardo, que parece uma vitrola quebrada quando começa a falar.
Isso não deve ter significado nenhum para algumas crianças e adolescentes do século 21, uma vez que todos possuem som com CD, e o velho vinil tornou-se peça de colecionador. Mamãe ainda possui uns raros do Antonio Marcos, José Ribeiro, Cascatinha, e outros do gênero. O negócio agora é curtir disqueman em vez de walkman. Por pouco tempo também. A tecnologia tornou-se muito rápida na última década, pois no mercado já está saindo um tal de MP3, onde cabem muitas músicas e é dez vezes menor que o disqueman.
No Natal a molecada se reunia na rua e ficava sonhando com os presentes que eram anunciados na tevê. Todos faziam sua lista: Caloi 10, Monark e a Cecizinha com cestinha eram os maiores sonhos de consumo de meninos e meninas. Eu aguardo a minha Caloi 10 até hoje, foi prometida quando eu fizesse 12 anos. (Na real, todos esperavam, mas no fundo sabiam que não ganhariam mesmo, eram só promessas que os pais faziam para que fôssemos bem na escola e não levássemos bomba no fim do ano. Ser repetente naquela época era sinal de surra de cinta.)
Tevê com 13 canais em que só funcionavam sete, preto-e-branco, com estabilizador para assistir aos programas. A garotada do século 21 só poderá ver no museu, ou se for lá em casa, pois eu ainda tenho essa relíquia que quando ia pifar começava com as faixas pretas que cobriam as pernas das personagens da novela até ser levada para o conserto.
As musas da galerinha já passam dos 30. Luciana Vendramini, Letícia Spiler, Andréia Sorvetão, foram as Paquitas que me fizeram sonhar ser Paquito só para estar do lado delas; e a Simony do Balão Mágico já é mãe de duas crianças.
Estas crianças loucas por Pokémon não tiveram o gosto de calçar um legítimo Bamba ou Kichute do Rambo (personagem que todo moleque valente queria ser). Tinha a Conga, que era feia para burro, o Montreal, que o Silvio Santos sorteava nos programas, mas o luxo mesmo era o tal Le Cheval com luz que acendia no solado quando pisava.
As mães eram boas costureiras, o molde do short curto e camisa de botão era sempre o mesmo. A molecada parecia de uniforme, usavam até a Havaiana azul, adereço típico dos pobres, pois era a mais barata (essa mesma que hoje é sinal de status, exportada pelo mundo afora, e que custa muito mais caro).
Os automóveis figuravam nas mentes dos meninos. Fórmula 1 era tradicional nos domingos de manhã, Airton Senna era o rei. Meu primeiro sonho de consumo nessa área foi um Opala azul metálico com rodas cromadas, depois veio o Gol GTS 1.8 preto, e depois o Escort XR3, vermelho.
- Tá lembrado, Cassiano, como eram os meus desenhos? Você e a galera dentro do meu Opala turbinado, eu fazia as curvas das estradas de Santos nos desenhos livres da aula de Educação Artística.
- Claro que me lembro, você curtia Roberto Carlos só por causa dessa música.
- Mó saudade, hein?!
Até parece que Michael Jackson sempre foi essa caveira branca ambulante que é hoje. No auge do sucesso, cantando Thriller, todas as crianças queriam dançar como ele, e é a imagem do moleque preto com ginga e estilo que ficou na memória de todos nós.
Agora, no cinema, não houve até hoje terror maior do que o Exorcista, Fred Krugger em Sexta-Feira 13 ou Colheita Maldita. Era assistir a um desses e ter pesadelos a semana toda. Ou éramos mais medrosos ou os filmes eram realmente aterrorizantes!
Assistir a Os Trapalhões antes do Fantástico era de lei. Semana do presidente antes do Show de Calouros era terrível, coisa mais chata não existia. As férias eram recheadas com Sessão da Tarde Especial, com filmes dos Trapalhões, da Xuxa, Rambo e Rock, que tornaram o Silvester Stalone O Cara. Também havia os especiais de Natal, sem falar no Magaiver, o cara que tinha solução para tudo. Goonies eram a aventura que toda criança sonhava em viver e ET era o bichinho que todos queriam que caísse no quarto.
Mas também tinha os seriados que nos prendiam por algumas horas do dia. Armação Ilimitada, Vila Sézamo, Perdidos no Espaço, Elo Perdido, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Os Monstros, Punk - A Levada da Breca, e Chaves e Chapolim, que romperam as barreiras e são sucesso até hoje.
“Ninguém tem paciência comigo!” “Diz que sim, diz que sim, vai!” “Tesouro, não se misture com essa gentalha!”. Seu Madruga era o melhor.
- Impressionante como, mesmo vendo tanta coisa na tevê, ainda encontrávamos tempo para brincar. As horas pareciam ser muito mais longas na rua, para inventarmos tantas brincadeiras diferentes e ainda bater papo no fim da tarde! Quer dizer, contar lorota!
- Você era o maior colecionador de minigarrafinhas de refrigerante, tinha umas com logotipo escrito em árabe, russo, japonês, e não deixava ninguém colocar a mão!
- Puta, eu era mó egoísta, né, Cassiano? Tá lembrado daquele vizinho que a mãe trabalhava para bacana, e sempre trazia brinquedos maneiros para ele, e depois de brincar um pouco jogavam fora ainda em ótimo estado!
- E agente sempre ficava na espreita no muro, para ser os primeiros a escolher no lixo, ahahah! Os meus melhores brinquedos vieram daquele lixo!
- Divertido mesmo eram as festinhas de aniversário daquela casa, eu dançava lambada muito bem, lembra do concurso que participei na festa e até ganhei uma sacola de prêmios?
- Lembro mesmo era você dançando ao som dos Menudos, “Canta, dança, sem parar, não se reprima, não se reprima, uol, uol”!
- Confessa, Cassiano, você era fã dos caras, até lembra a letra direitinho!
- “Dá pra mim, o teu amor, dá pra mim, porque eu te quero!” Do Polegar, tá lembrado dessa? Você cantava para as minas quando queria xavecar, e quando eu fui tentar te imitar e levei um tapão na cara, da Marcinha!
- Isso era só para os bons! Ahaha!
- Me lembro que nessa festa tinha gincana com brincadeiras, e um maluco metido a ladrão estourou a bexiga da Nay para que ela ganhasse a brincadeira e o saco de doces. Ela ganhou, e saiu correndo para casa feliz da vida com tantos doces, e o maluco me ameaçou de morte (ele tinha um buraco de bala no queixo e disse que matar um baba ovo não dava remorso nele), e que se eu não trouxesse um Lanche do Fofão ia amanhecer com a boca cheia de formiga! Agora me diz se tem cabimento isso hoje, um ladrãozinho de lanche de crianças! A Nay reclamou porque não queria perder o doce que já teria de dividir com os irmãos, mas depois do meu apelo emocionado (chorava e tremia como um doido) cedeu o Mirabel! (Agora tive vontade de rir... essa foi de lascar!)
- E nas paradas do sucesso: Dominó, New Kids on the Block, Tremendo, com todas as meninas chorando e escrevendo cartas quilométricas para o Gugu no quadro sonho maluco do Viva a noite, para realizar o sonho de conhecer os caras!!
- Lembra da aposta para descobrir quem matou Odete Roittman?
- “Embarque neste carrossel, onde o mundo faz de conta a terra é quase o céu”. O que te lembra essa melodia?
- Ouvir a metros de casa no fim da tarde, abandonar as brincadeiras e todos se entreolharem e dizer: “Começou Carrossel!” E correr para frente da tevê para chorar com as maldades que a Maria Joaquina fazia com o pobre do Cirilo.
- E Pantanal! A gente era louco para ver a Juma sem roupa!
- Febre mesmo foi a dos seriados japoneses. Mandraque, Batman, Homem-Aranha, Super-Homem, Thor, Mulher Maravilha e outros heróis americanos ficaram esquecidos por um tempo, o negócio era curtir Jaspion, Giraya, Ultraman e Chageman. A indústria novamente lucrou muito com brinquedos e a imagem dos heróis em tudo que podiam vender!!
- Bozo era o Rei, o preferido de todos e também muito requisitado nas duas décadas (trocando de ator sempre, é claro): “Cantem comigo molecada: chuveiro, chuveiro não molha o meu cabelo, chuveiro, chuveiro não faz assim comigo, chuveiro, chuveiro não molha o meu amigo!!” Papai Papudo, Bozolina. Vovó Mafalda (que depois descobrimos ser um homem, que tristeza e decepção pra molecada!) Cantava muito animada a música das caveiras, tumbalacatumba tumba tá! Como era boa a batalha naval.
- Aprendi a desenhar com Daniel Azulay, mano, altos ensinamentos na tevê, tá ligado no Bambalalão e no Catavento? Não perdia esses também.
- Eu tinha medo do Fofão, diziam que havia uma faca na barriga do boneco!
- Lendas! A Boneca da Xuxa também não era demoníaca! Quem inventava essas coisas, hein?!!
- Tinha uns seriados maneiros, só que eram mais para os adultos, A Gata e o Rato, Manimal, Hulk, Casal 20, As Panteras.
- Desenhos animados não tem para ninguém, só quem pôde desfrutar daquelas obras-primas foi nossa década, a menos que alguém tenha piedade e resolva reprisar para essas crianças. Acho que elas estão perdidas com esses desenhos quadrados que lotam a tevê hoje.
- Ursinhos Gummys, Caverna do Dragão, Pequeno Príncipe, Thundercats, Super-Amigos...
- Clássicos, né, Cassiano! Pantera Cor-deRosa, Poli Position, Corrida Maluca, Capitão Caverna, Ursinhos Carinhosos, Gato Félix, A turma do Manda chuva, Super Mouse, Popous, Luluzinha, Smurfs, Heman...
- Esse virou até música com o Trem da Alegria. E a She-ha, Jonny Quest, Ferrorama, Nossa Turma, Pica-Pau, Os Smonkeis, Jenny e as Desajustadas. Os Animais do Bosque dos Vinténs era um clássico da tevê cultura. Pobres animais! Eu e meus irmãos até chorávamos porque em cada episódio morria um bicho tentando chegar no parque da garça branca, o paraíso deles, a raposa, o texugo, a doninha, os ratos, os ouriços, a cobra, o sapo, a toupeira...
- Que memória a sua Cassiano! Cara, assim você me supera, seu fanático! Lembra do Praga, o Dengue, no Show da Xuxa, você adorava cantar aquela...Como era mesmo... Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel...
- Que mentira, Rico! Você era o maior pilantra, o capeta em forma de gente, colocava casa de abelha na ponta do cabo de vassoura e depois tentava jogar em cima das meninas cantando essa música.
- Ahahaha! Que faziam o maior escândalo e saíam correndo!
- E você atrás, doce, doce, doce; o capeta em forma de guri, cantava o Sérgio Malandro especialmente para você! Certa vez você desenhou a Formiga Atômica na lousa, e disse para todos que era a professora Valdete, ela te colocou de castigo. A sala inteira disparou em gargalhadas, quando você ficou atrás da porta com o chapéu de burro e imitou o Pica-Pau, rebolando e colocando chifrinhos em sua cabeça sem dar a menor importância para o castigo.
- Colecionador de gibi e álbum de figurinha!!! Tio Patinhas (sempre quis ser ele só para nadar no dinheiro), He-Man, Capitão Marvel.
- Viciado, minha irmã tinha as do Amor Perfeito, e de todas as novelas, Vamp, Que Rei Sou Eu, Roque Santeiro, Carrossel!! Roubava as moedas do pão para continuar o vício, depois trocava as repetidas e jogava bafo, e sempre ganhava. Aí, Cassiano eu já era foda naquela época, hein?!
- E os brinquedos que nunca chegaram nas nossas mãos, só pela tevê, mesmo!! Autorama, Comandos em Ação, Playmobil, Forte Apache, Genius, Pogo Ball, Banco Imobiliário, Jogo da Vida!!
- Dama a gente tinha, né, eu desenhei uma no sulfite e colei na cartolina, e as peças eram de pedras vermelhas e pedras brancas, o futebol de botão também, com pregos numa folha de madeira grande, pedrinhas e palheta de madeira!
- O jogo de vareta fui eu que fiz!! Palito usado de churrasco pintado de guache!! Ahaha, que eca, hein! Mas divertiu da mesma forma que um original.
- Bom mesmo era brincar na rua, não precisava ter trabalho com os brinquedos. Alerta, mamãe da rua, amarelinha, barra manteiga, barreira, estrela nova sela, polícia e ladrão, esconde-esconde, queimada...
- Bolinha de gude, gato mia, rouba bandeira, ajuda-ajuda, vivo ou morto, baliza, cabo de guerra, caiu no poço...
- Essa eu adorava, pêra, uva, maçã ou salada mista: passeio no bosque, abraço, beijo no rosto, ou tudo junto mais um beijo na boca. Dei meu primeiro beijo numa dessas. Daquele jeito. Escolhia a menina, prometia algo pro cara que tampava o olho e depois esperava o toque para beijar a menina certa!!
- Moleque malandro!!
-Moleques malandros, porque você também tentava fazer isso, mas tinha azar e só pegava as fubangas!! Mas a melhor das brincadeiras eram as peladas!! Eu era um craque, artilheiro de mão cheia, era sempre gooooooooooooollllllllllll, do Ricoooo!!! “Bota na seleção”, todos gritavam!!
Até que tivemos uma puta infância, em Cassiano!! Quanta coisa divertida, eu vou tentar lembrar de tudo isso para contar para os meus filhos, e vou ensinar todas as brincadeiras que a gente curtiu!
-Tá pensando em sair da estrada, Rico??
-Ainda não, mas daqui há uns 3 anos eu acho que me aposento, a correria tá foda!! Eu terei filhos e vou morar bem longe desta podreira aqui!
- Que é, isso irmão, cuspindo no prato que comeu?!
-Sem moral para cima de mim, Cassiano! Nesse prato quem colocou a comida foi a minha mãe e muitas vezes eu, se não, tinha morrido de fome! Isso aqui nunca mais será como fora quando éramos crianças, tudo está poluído, os rios não passam de corgos imundos, que sempre que chove demais inundam nossas casas. Nem as crianças de hoje são parecidas com o que fomos, já nascem com a malícia, aprendem a falar mamãe, nem sempre papai, e depois porra, caralho, ensinado pelos outros irmãos e o próprios pais, é claro!!
- Eu só fui soltar um palavrão desses, mesmo, depois dos 11 anos, eu acho!! E mesmo assim quando soltei perto da dona Jacinta, levei um tapa tão forte na boca, que até hoje eu me seguro para não pronunciar perto dela!!
- Então, cara, eu não quero isso para os meus filhos, com eles o negócio vai ser bem diferente, vão ter que andar na linha!!
No Jardim das Rosas passamos nossa infância batendo a chepa na escola, muitas vezes por falta de comida em casa, soltando capucheta e as pipas mais invocadas da região; rodando pião para eleger os melhores, bolinha de gude, sendo crianças em um jardim da zona sul, mas acabou!!
***

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O tempo não para

A vida passa
É o que dizemos quando voltamos a nossas origens
A vida passa e descobrimos que não fizemos nada
Planejamos, sonhamos
E não fizemos nada.
Olhamos no espelho
E temos uma grande descoberta
Viramos adultos.
E em todo momento
Toda a oportunidade
Toda reunião com aquele velho grupo de amigos
Terminamos agindo como crianças.
Com velhas cantigas e brincadeiras
Que marcaram a nossa infância
As atitudes que nos tornavam maiorais
As lembranças
A saudade
E o tempo não parou.
E o tempo não para.
O destino não trouxe nossos sonhos
O passarinho não canta como antes
As cores do arco-íris
Não são como outrora
A vida não mais encanta.
São sonhos que deixam de existir
É a saudade que teima em vir.
São palavras que dizemos
Quando tudo parece não ir para frente
Eu era feliz e não sabia!
Mas agora vais reclamar, senhor saudosista?
O passado só é importante quando fica distante
Derrame a saudade
E bola para frente
Essa felicidade não é mais presente
Marcar esses momentos
Com bons sentimentos
O tempo não para
E não vale a pena se lamentar amanhã
Porque hoje já é passado
Mas quem sabe seremos lembrados
Talvez como simples soldados
Que em batalhas foram derrotados
Ficando na lembrança de seus amados.
Num futuro
Talvez alguém tenha saudade
Assim como agora eu tenho saudade
Saudade daqueles que se foram
Talvez, sempre talvez...

***

O Tempo não para

Subi no alto do morro de onde consigo ver toda a favela, é estranho como as coisas são diferentes daqui de cima. Tenho aquela sensação infantil de ser o dono do mundo. Há momentos em que o silêncio domina toda a área e dá para ouvir as crianças brincando nos becos e alguns palavrões sendo exclamados constantemente. Nas vielas da periferia é fácil ver uma criança aprender um palavrão antes de qualquer outra palavra. Os becos são iluminados por gatos feitos nos postes, já são 9 horas da noite e as crianças começam a brincar de polícia e ladrão, difícil é achar quem queira ser a polícia, afinal, eles não causam boa impressão quando marcam presença na quebrada!
A morte não é mais triste para essas crianças, elas acham normal morrer de tiro, fazem apenas uma cara feia ou tampam a boca quando vêem mais um corpo estendido. Os tiroteios são comuns, muitos já morreram ou tiveram a sorte de apenas serem atingidos por uma bala perdida sem maiores conseqüências (dizer que é sorte chega a ser irônico, porém é o que dizem as pessoas quando a bala é de raspão).
Toda a favela iluminada – que lindo! Vejo alguns moleques descendo a rua principal de carrinho de rolimã sem se preocuparem com os carros que possam cruzar o caminho. Daí me lembro de quando eu fazia o mesmo com os Cavaleiros do Apocalipse. A diversão era fácil de construir, todos os moleques da quebrada tinham seu próprio carro de Fórmula 1. Apostávamos corrida, mas o legal era desfilar pelo bairro com o carro personalizado debaixo do braço, o meu tinha um desenho dos Caça-Fantasmas e a frente pintada de azul. Era o máximo, meu maior orgulho.
Não sabíamos o que era o mundo e os países; Para a galerinha daquela comunidade o mundo se limitava ao bairro. Guerras, a gente via raramente, mas só as do bairro mesmo, era quando a imaginação muito fértil logo transformava a história num filme de aventura passageiro. Sonhava algumas noites seguidas, discutia com os Cavaleiros sobre o assunto, mas depois tudo passava!
Vou confessar uma coisa que hoje dou muitas risadas quando lembro: coisa de criança, mas na época eu tinha uma certeza muito grande. Eu acreditava que era um ser diferente, único no mundo, como um extraterrestre, e por isso todas as coisas aconteciam em torno de mim, para mim, e deviam influenciar somente as coisas sobre mim. Eu acreditava ser uma espécie de rei e ficava lendo o pensamento das pessoas, achava que era superior a todas elas, que meus pensamentos eram diferentes e era por isso que eu achava tantas coisas erradas, tanta desigualdade, tanta gente precisando das coisas, mas ninguém via, afinal nada mudava, e somente eu enxergava isso. Sentiu a idéia do pivete?
Depois de um tempo descobrimos um bico e o mundo ganhou novos horizontes. Íamos para uma feira de bacana, alguns carregavam sacola para as madames e outros olhavam os carros, e com isso no fim do dia dava para tirar uma boa caixinha. Era a festa dos Cavaleiros. A parte chata era que muitas vezes eu sentia o olhar de deboche e nojo de algumas madames. Eram mulheres com seus olhos maquiados, as bocas enormes com batons vermelhos, bochechas cheias de ruge, ora vermelha como morango, ora rosa como bonecas de porcelana, e o rosto chegava ser repuxado de tanta plástica!!
- Ah, tadinha dessas crianças, qual será o futuro desse garoto? Dá uma moeda, Matilde, deve até passar fome.
Eu sorria, um sorriso falso, que ia até as orelhas, mostrando todos os dentes, e pensava:
- Serei rico e presidente, enche meu bolso de grana e me deixa contente.
As mulheres iam embora, outras vinham, mas pareciam ter um texto decorado, sempre a mesma coisa. E eu pensava: Que povinho sem imaginação! Antes de ir para casa a Doceria da Jaci era o ponto de parada. Nada de gastar tudo! Mas os olhos se enchiam. Estou no paraíso, meu Deus! Chocolates (os caseiros da Jaci eram os melhores do mundo), doces, balas, pirulitos, salgadinhos, maria-mole, suspiros, meus vermes se atiçavam e a barriga chega doía. Dura escolha!
- Minha mãe mandou eu escolher esse daqui, mas como eu sou teimoso escolho esse daqui.
Um doce de abóbora e um suspiro (eram meus prediletos), um pouco de bala para os manos. Feita as compras, casa é a próxima parada!

sexta-feira, 6 de março de 2009

Doce esmeralda

O sono lhe cobre o rosto
Desfigurado sobre o encosto
Jaz em paz na plenitude
A beleza que lhe foi virtude
Leva contigo na caixinha
As alegrias de menina
Os sonhos de mocinha
A tristeza que teve em vida

Não conheceste o verdadeiro amor
A pureza de um sonhador

Dorme em paz, minha esmeralda
Leva contigo minh’alma
Que teu espírito não possa ver
A crueldade que posso descrever
Digo a parte bonita
Vai em paz, pobre menina.

Quando as palavras decidem o destino...

A história de Raquel

Foi numa tarde de chuva, Raquel se drogou ao máximo numa boca qualquer e apareceu desnorteada, vinha andando pelas vielas como se fosse um zumbi com olhos arregalados.
Ela vinha batendo em todos os portões, chamando a atenção de todos, parecia mesmo que o seu desejo era que todos ouvissem suas declarações. E num grito, assim, de repente, ela disse que não queria mais viver... Meio chorosa começou a soltar palavras de rancor, ódio e arrependimento...

- De que vale essa vida maldita, eu não tenho família, minha mãe é uma vagabunda, meu pai, um pobre bêbado, desgraçado por suas fraquezas, e o dinheiro que tanto desejei, de que vale aqui, se eu não posso sair desse mundinho pobre, essa vida miserável, com tanto esgoto, sujeira, rodeada pela pobreza, eu canseiiiiiii...

E nisso, já gritava aos quatro ventos para quem quisesse ouvir, atiçando a curiosidade da vizinhança.
-... Cansei mundo ingrato, essa droga não me dá o alívio que preciso, esse efeito curto, eu tenho tudo, mas na verdade sei que não tenho nada, ninguém tem coragem de chegar perto de mim, vocês têm medo do louco do Joe, vocês são todos covardes, também foram comprados por ele, me chamam de vendida pelas costas, fazem fuxico da minha vida, mas são todos iguais, pobres, coitados, um bando de Zé povinho covarde!


Raquel desabafava suas angústias. Nunca pensei que ela fosse falar assim do Big-Joe, ele deve tê-la sacaneado muito para despertar aquela ira toda, falava sem parar, entre o choro e os soluços, como uma criança quando leva aquela surra de marcar as costas. Mas a notícia de sua loucura corria feito vento, e os informantes de Joe logo foram soprar no ouvido dele.

- Joe domina a todos. Vocês queriam um rei, eis o rei, seus miseráveis, e eu sou a vadia que aceita tudo em troca das jóias roubadas dele, e todos sabem, não é? Sabem! Condenam e nada fazem a não ser fofocas, sabem também que ele é o homem mais procurado do Brasil? Não? Não sabiam?! Ora, oras, quem poderia ter a maravilhosa idéia de roubar o Banco Central? Que caras são essas? Então não sabem do assalto mais famoso e misterioso do ano, idiotas! Foi o Joe, ele planejou tudo, e ficou com toda aquela grana também. Pouco? Vocês acham pouco? Ele é o mandante dos assassinatos de alguns donos de boca da parte baixa. É isso aí, ninguém compete com o Grande Joe...

Raíssa, uma amiga de Raquel, veio correndo e tentou se aproximar dela.
- Cala a boca Raquel, você está louca, quer morrer, é? Por que você está dizendo esse monte de loucuras?
- Não são loucuras, Big-Joe é um monstro, ele é muito mau, ahahaha, ele é um monstro!! Ela ria feito louca, e isso assustava algumas pessoas.
- Monstro ou não, demorou para você descobrir isso, depois de tudo que ele já te deu e fez por você.
-De que vale tudo aquilo? Ele me comprou sim! Eu queria ser rica, ter tudo, como uma princesa, mas agora o que sou? Graças a toda a riqueza podre, o pouco que eu tinha em casa se explodiu, foi tudo para os ares, meus pais se acabaram, por minha culpa, minha família virou um estilhaço de vidro. O Joe também é culpado, ele é o maior culpado, e eu sou uma vagabunda mesmo!

Nesse momento, as duas já estavam sentadas na calçada...
-Se ele ficar sabendo de tudo isso, ele vai te matar, amiga!
- Ele já deve saber...
Ouviu-se um tiro ensurdecedor, todos correram para ver de onde vinha, e era da casa de Raquel. Seus olhos voltaram a ficar arregalados, então...
- Paaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Ela saiu correndo, tropeçando pela rua esburacada. O pai em desespero havia dado um tiro no ouvido. Tanta desgraça ao mesmo tempo, desilusão, cansaço, fraqueza espiritual, ele preferiu a morte a ver o final de sua única filha.

Big-Joe nunca deixou nenhuma traição barata. O que Raquel fez era o mesmo que encomendar o próprio caixão. Ela também sabia que após tudo isso não veria o Sol por muitos dias. Até pediram que ela fugisse para bem longe, talvez outro Estado, mas ela não quis, e não era porque se achava forte o suficiente, era porque suas esperanças já haviam acabado.

Raquel foi vista apenas nas duas semanas seguintes, depois sumiu do mapa. Chegaram a procurá-la, uma tia veio de longe, mas foi impossível. Delegacias, hospitais, IML. Todos tinham certeza de quem era o responsável por esse sumiço. A polícia começou as investigações, mas ninguém se atreveria a desafiá-lo.
Passaram-se três meses, houve uma denúncia anônima. O corpo de Raquel poderia ser encontrado.


Ah, leitor! Não sabes como é difícil relembrar esse dia, os rastros da morte são muito feios. A crueldade como o corpo dela foi encontrado, enterrado bem abaixo do lixão nas redondezas. Ela teve a língua cortada, foi esfaqueada, degolada, o corpo já estava em decomposição, como podem imaginar. Foi levada para o IML, para ser reconhecida pela família, e depois teve o enterro para encerrar de vez sua estadia na terra.

Essa era a lição que os poderosos tinham como costume dar a todos que cometessem o pecado da traição. Big-Joe sempre dizia que, em terra de leões, gatinho não mia. Cagüeta, traíra, língua solta, dedo-duro, como você entender melhor, tem óbito assinado à mão pelos encarregados da morte.
A lei do cão é essa, e não adianta fugir quando se está envolvido por completo. É muito difícil acreditar que tudo isso acontece assim, não é? Mais difícil ainda é sobreviver dentro dessas histórias. As pessoas são sórdidas, fingem não ver para amenizar suas dores, fingem não entender para não atormentar os pensamentos. Essa foi a história de Raquel.

Eu parei em frente ao espelho, naquele mesmo dia em que vi o caixão de Raquel descer no terrível buraco do São Luís. Ao fixar meus olhos em minha imagem ainda atordoada pelo acontecido, vi se transformar no reflexo de Raquel; sorri ao ver seus olhos brilhantes de menina mimada; verdes como esmeraldas, seu sorriso maroto de criança se tornando mulher, mas em seguida vieram as lágrimas, ao ver o mesmo rosto transfigurado, destruído pela cruel morte. (sim, eu também vi o corpo quando foi retirado do lixão) Não tinha mesmo de quem esconder as lágrimas, sozinho dentro do banheiro, e chorei muito.
Sempre soube que ela jamais seria minha, mas desejava que conseguisse ser feliz, que saísse daquela vida que levava, achasse um homem rico, como sempre sonhou, mas que quisesse seu bem, acima de tudo.

O destino traz nossa sorte, porque ninguém escolhe onde nascer, mas quem escreve a maior parte do destino somos nós mesmos. Às vezes, não nos importando com pequenos erros, provocamos erros maiores, que depois não podem ser apagados. Mais uma noite terrível foi aquela, e sua face jamais sairá de minha memória.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O grande assalto

Na noite de 12 de julho, Big-Joe reuniu um bando de cinco homens, roubou três carros no Morumbi e com eles partiu para a ação.
O plano parecia genial e muito valioso, o Banco Central da 15, o maior do Estado e também o mais rechonchudo. Estava tudo friamente calculado pela quadrilha, renderiam os clientes e com uma dinamite estourariam os cofres. A região estaria bem vigiada pelos soldados do grande Joe, não haveria erros. Big-Joe era o mentor e não colocaria a mão em nada, mas seria o dono da maior parte da grana.

No meio da correria e do desespero que se formou, um gerente reagiu e um tiro de AR-15 o atingiu. O bando possuía armas pesadas, estavam prontos para guerra, fuzis, metralhadoras calibre 12. O tamanho das armas impunha medo. No cofre havia desde jóias valiosas até dólares e libras. Seria o maior assalto dos últimos 10 anos, no mínimo. Um senhor de idade avançada teve um ataque cardíaco na hora do incidente e por falta de socorro morreu ali mesmo, com os olhos arregalados de tanto terror.


No dia seguinte o grande assalto foi manchete em todos os jornais, revistas, rádio e tevê, e o mais impressionante, nenhuma pista dos ladrões. Poucos sabiam dos verdadeiros culpados, um grande planejamento deixou que tudo fosse encoberto por um longo tempo, era impossível de acreditar que tudo desse tão certo para os criminosos. Os sistemas de alarme, as câmeras, os guardas, Big-Joe conseguiu manipular tudo e todos, ele tinha uma mente mirabolante além do comum, infelizmente a serviço do mal. Neutralizaram todos e deixaram dois mortos e nenhuma pista. O Brasil inteiro tentava descobrir, desvendar o grande mistério. Alguns chegaram a dizer que tudo foi feito com ajuda do Demo, mas como mamãe diz, ele ajuda a fazer, e não a esconder.


Raquel sabia de toda a história, de muitos detalhes ouvidos em reuniões de planejamento, era um arquivo preso a uma bomba-relógio que podia explodir a qualquer momento. E explodiu!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Mudança de hábito

Raquelzinha está muito estranha ultimamente, quase irreconhecível. Tá certo que ela sempre foi meio arrogante, mas agora anda humilhando as pessoas. Pecado imperdoável no nosso mundo, pois o troco vem em dobro, e muito rápido!
A última que ela aprontou foi com ajuda do Escort vermelho. Os esgotos ficam a céu aberto aqui na fava, até que alguma autoridade ponha vergonha na cara e enxergue essa sujeira que inunda as casas em dias de chuva.

A mina, em um de seus dias de fúria, andava em uma velocidade que não é permitida num local como o nosso, passou numa das muitas poças de esgoto aberto e jogou água podre na avó do Roger. A velha tinha uns 88 anos e escorregou no barranco após o desequilibro. O tombo lhe rendeu um braço e uma perna quebrada. Como ela mesma resmungou depois, seus ossos já não são como antigamente!

As más línguas dizem que Raquel estava drogada. A velhinha desceu o barranco de bunda, virou o braço e a perna, os óculos voaram longe, soltou um grito abafado pela falta de força, seus cabelos grisalhos ficaram sujos de lama e restos de esgoto. Um moleque que brincava com seu carrinho de plástico chamou sua mãe após o susto que levou.
Quem tava na rua se revoltou com o pouco caso e desrespeito de Raquel. Roger soube da conversa após chegar da escola.
- A minha avozinha querida. Disse, já vermelho de raiva.
- Aquela mina tá fodida!!!
A velha foi internada e quase morreu, afinal, sua idade já não permitia certas brincadeiras.
Raquel tava mexendo com brasa quente. Alucinada, caiu de joelhos no velho truque do mágico de Oz.
Será que Big-Joe não ensinou a ela que não se deve cair em tentação? É o que todos se perguntaram, mas o caso era outro. Raquel também sabia o mal que fazia a fórmula da felicidade.
Descobri que era esse o mal que ela desejava, por pior que fosse, o importante era dar algumas horas de distância do mundo em que vivia.
Quem diria, a família da bela não era perfeita e viraram feras à solta. Era uma fase difícil para a menina que sempre foi mimada. O pai de Raquel havia encontrado a esposa, mãe de Raquel, com um amante em sua própria casa. Espancou a mulher como se fosse um bicho. Desolado, após a fuga da mulher com o Ricardão, passava os dias a beber em um dos muitos botecos do bairro. A pose de Raquel, após toda essa história ter rodado na boca do Zé povinho, caiu como fruta podre.
Ela não tem muitos amigos, e nessas horas não teve nem um ombro para chorar. Dizem que ela foi vista chorando atrás da escola, mas, dizem, e, de pessoas que dizem o mundo tá cheio.


Senti um aperto, as lágrimas dela me doíam também. Apesar do tempo, ainda sentia algo por Raquel, talvez pena agora. Mas não havia o que fazer, sem contar que era uma minazinha muito orgulhosa para dar o braço a torcer, seja para quem fosse.
Raquel estava sofrendo muito com toda essa história. Abatida, e sem o brilho nos olhos que outrora iluminava meus caminhos. Acreditava que era simples amenizar os problemas, ver flores dia e noite, sem nenhuma tristeza, nada para lhe fazer chorar ou brigar: caiu de boca na cocaína. Mas deixo claro, meu caro leitor, que nenhuma merda que acontece em nossa vida nos dá o direito de humilhar ou maltratar as outras pessoas, e é por isso que tudo que fazemos nos traz conseqüências.
Essa droga destrói muito rápido, e faz algumas pessoas não medirem as palavras, o que é sentença de morte para todos na perifa!!! – Raquel se perdia de vez –.

domingo, 25 de janeiro de 2009

O Grande Clássico

Mas enfim, o espetáculo...

Não havia nada igual a assistir um clássico do Corinthians. A corrente da nossa torcida era muito forte, da bateria da Gaviões sempre havia alguns na arquibancada fazendo aquele barulho organizado. Num ônibus iam as bandeiras gigantes que ao chegar na arquibancada faziam o símbolo da Gaviões ter dimensões gigantescas. Entre os hinos, a chegada de cada jogador era a glória da torcida. Nesse ano os jogadores eram muito aclamados, e um grande coro gritava...

- Eô, eô, o Viola é um terror!
-Uh! Marcelinho!, Uh! Marcelinho!
- Ronaldooooooooo! – Esse era o goleiro.
Os puxadores gritavam as frases e a torcida em massa repetia:
- Corintiano, maloqueiro e sofredor! Graças a Deus!
- Eô, eô, o Corinthians é o terror!
- Pacaembu ela domina,
Morumbi ela destrói,
No Rio ela arregaça,
Qualquer um que ela encontra,
Não tenho medo de morrer,
Eu dou porrada pra valer,
Eu amo essa torcida,
E o nome dela eu vou dizer
Como é que é?
Ga-vi-ões Fiel!
Timão, e ô! Timão, e ô!

- Eu tenho a força, sou o invencível, somos amigos e juntos venceremos a corrente do mal, laralalalalala Corinthians! Laralalalalala Timão!
Todos batendo com a palma das mãos ritmos para vários versinhos que irritavam a outra torcida.
Nossa! Como eu pirava, leitor!
No meio daquela torcida gigante, a maior de São Paulo, a energia do estádio era tão forte que às vezes eu sentia aquele arrepio por todo o corpo. Quando algum jogador se aproximava e quase fazia um gol, a torcida junta gritava...
- Uuuuuuuuuuuuuhhhh!
De repente vinha um...
- Oooooolaaaaaaaaa...
E quando o Marcelinho Carioca fazia do campo um palco e dava um show de dribles, a torcida gritava...
- Oléeeeeeeee!

Quando o Palmeiras começava a apavorar, a torcida já preparava um sai zica, com as mãos, todos juntos com o único pensamento!
- Erra o gol, filha-da-puta!
São Jorge é o padroeiro do Corinthians, por isso alguns levavam até o santo para dar uma forcinha; e de repente...
- Goooooooooooooooooooooooooool, é do Viola!
O Viola imitou um porco após o gol e a torcida foi à loucura!
- Chora, porco imundo! Quem tem Viola não precisa de Edmundo!
- Pórópópópópópópó, Pórópópópópópópó!
- Pluft, plaft, zum, o Coringão já fodeu mais um!
Nessa partida ganhamos de 1 a 0, mas a taça do campeonato foi do Palmeiras. O título era o de Campeão Paulista de 1994.
Mas esse jogo ficou na minha história.
A volta para casa foi mais tranqüila, os soldados já estavam relaxados!!
***

Porcos e galinhas pretas

O bairro tinha um grande número de corintianos. Quando havia jogos, e a maioria não podia ir até o estádio, a rua virava uma grande festa. Todos com as camisas preto e branco, algumas ilustradas com o gavião, grande símbolo da torcida. Depois que o jogo começava, eram exclamações ouvidas ao longe...
- Uhhhhh!!
-Ahhhhhh!

Os fogos também começavam antes da partida, e quando o time começava a perder, as paredes eram abaladas com os pulos e murros que os vizinhos davam. Quanta gente não passava mal, e às vezes iam parar no hospital antes de o jogo acabar. O fanatismo era repassado dos mais velhos para os recém-nascidos, que às vezes já saíam do hospital com a camisa do timão!

Não me lembro quando comecei a ser corintiano, acho que também fui influenciado pelos amigos do bairro que convidavam para assistir às partidas, já que o momento era sagrado e qualquer coisa devia ser interrompida se fosse feita na hora do jogo. Mas o grande sonho era ir ao Pacaembu e ver de perto uma grande vitória do Coringão.
Foi exatamente assim que participei de uma grande aventura, que na ocasião foi o maior sufoco da minha vida...

Podíamos comprar os ingressos tanto na quadra da Gaviões, como no estádio. Nesse dia resolvi comprar o ingresso na quadra, para facilitar, afinal Corinthians e Palmeiras jogando é um clássico, e não podia correr o risco de ficar sem ingresso, ou ter que comprar por preços absurdos dos cambistas na hora.

O dia prometia fazer um grande calor, o Sol já pintava sua cara as sete da manhã. A turma do bairro combinou de se reunir ao meio-dia no ponto final do Jardim Irene. Lá pegaríamos o Terminal Bandeira até o túnel da Nove de Julho e subiríamos a pé para a Paulista, até o Estádio Paulo Machado de Carvalho, o velho Pacaembu.

A partida só começaria às 16 horas, mas como também já sabíamos o que encontraríamos no caminho, o jeito era se antecipar. Caso houvesse imprevistos, ainda teríamos tempo de assistir ao jogo.
Uma galera uniformizada botava banca no busão, alguns com calça, camisa e jaqueta da torcida Fiel. O grupo era de umas 25 pessoas, que durante o percurso do ônibus foi aumentando para umas 70, todas com o mesmo destino, e nessa animação começavam os hinos em grande coro...

Salve o Corinthians
O campeão dos campeões
Eternamente
Dentro dos nossos corações
Salve o Corinthians
De tradições e glorias mil
Eo eo
Tu és orgulho
Dos desportistas do Brasil

A turma batia palma, batia o pé, gritava, todos numa alegria só.
A tristeza nesses dias de clássico era só dos motoristas e cobradores de ônibus. Acho que muitos se pudessem, escolheriam tirar folga nesse dia. Muitas torcidas depredavam o ônibus, e faziam uma zona sem tamanho, deixando os caras nos nervos!

A sorte era que podíamos sair do bairro, porque se dependesse de um ônibus parar nas estradas para a torcida, ninguém chegaria ao estádio.
Depois era descer e começar a caminhada; as torcidas iam se encontrando quanto mais se aproximavam do Pacaembu, as minas se maquiavam, passavam perfume, eram o toque bonito daquele grupo de malucos e malandros. Chegava um ponto que não dava para definir quem era quem, eram todos corintianos e ponto.

Nesse dia a sorte começou pro nosso lado, afinal o ônibus não foi parado pela polícia no começo. Numa outra partida em que isso aconteceu, os coxinhas deram sinal para o motorista parar quando viram os manos dependurados nas portas e janelas. Ao subir, fizeram todos que estavam vestidos com a camisa da torcida descerem. A Nay, a Jana e a Alessandra se livraram nesse dia, pois suas carinhas de moças comportadas (após fecharem o blusão e esconderem a camisa também, é claro) não levantaram suspeitas. Passaram como passageiras normais. Enquanto elas conseguiram ver o jogo, o resto dos manos ficaram de castigo por um bom tempo, depois de levar alguns tapas. Os que tinham drogas, ou algum tipo de arma, foram dali direto para a delegacia mais próxima. Os outros só perderiam o começo ou a partida inteira, era o presente oferecido pelos coxinhas FDPs.

Hoje lembrando, dou risada, mas naquele dia achei que ia morrer. Após descer no ponto do túnel, todos andavam em festa, quando avistamos um ônibus sanfona lotado com palmeirenses, armados com paus e pedras, espremendo-se pelas janelas. E o Aragon gritou:

- Olha os porcos!!!
Enquanto eles gritavam:
- Vamu pegar as galinha preta!!!
Nesse momento eu pensei:
- Morri!
E já comecei a rezar e pedir desculpas por todas as coisas de errado que tinha feito na vida, e que Deus me recebesse de portas abertas sem mágoas pelas blasfêmias que um dia já devia ter dito!

Todos começaram a correr, quando as torcidas se encontravam não tinha jeito, era briga na certa. Muitos já vão com este intuito, o lema da briga vem em primeiro lugar e o jogo é só uma oportunidade. Honrar a camisa era a desculpa para quebrar a torcida rival, e não tinha jeito, fosse são paulino, santista, a guerra ia ser a mesma. Mas o foda é que a sede da Mancha Verde ficava no fim da avenida Paulista, e isso queria dizer que o perigo era dobrado em dia de Pacaembu.

Havia a galera da Mancha Verde, a torcida Jovem do Santos, a torcida Independente do São Paulo e a Dragões da Real. E do Corinthians, as torcidas uniformizadas Camisa 12, Pavilhão 9, Gaviões da Fiel. Eram turmas chapa-quente, por isso (anos depois) inventaram uma norma que em dias de clássicos, essas torcidas tinham que seguir rotas diferentes para chegar ao estádio. E agora nem podem usar a camisa da torcida dentro dos estádios, para não facilitar um conflito que já deu em morte tantas vezes.
Booommmm!!
Eram as bombas, e tiros que a porcada soltava em cima da gente para apavorar. Agora era cada um por si e Deus por todos. Os manos até tentavam proteger as minas, eles se preocupavam com a fragilidade das moças. Se fossem pegas por um revoltado rival, Deus sabe o que podia acontecer. Um mano com certeza seria espancado até ficar roxo, eles não perdoam mesmo, o jeito era tentar andar em grupinhos de pelo menos quatro!

Primeiro pulei por cima de um muro na entrada de um edifício ainda na Nove de Julho. Quando deram uma trégua, subi a rua Peixoto Gomide, tão rápido, que o ligeirinho ficaria no chinelo, cheguei na Paulista sem fôlego e sem cor, tirei a camisa para não piorar a situação, mas quando os policiais pegaram a galera, não teve perdão. Corintianos e palmeirenses viraram somente torcedores e vândalos!
- Os homi chegaram!
- Mão na cabeça, desce todo mundo! Agora!
Respeito é zero, eles nunca acreditavam que no meio daquela bagunça pudesse haver pessoas que merecessem alguma consideração.
- Paredão, todo mundo!

A cavalaria quando chegava botava banca, com uniformes pretos, cavalos gigantes, todos armados. Dava um medo de arrepiar o último fio de cabelo, fazendo todo mundo correr e se alinhar para, segundo eles, organizar a bagunça e evitar mortes!
Foi bom a chegada dos coxinhas, se olharmos pelo lado do massacre que seria se fossemos pegos, pois a turma dos porcos era o dobro da nossa, porém, se contar pelo lado das humilhações, a coisa também foi muito feia. Os PMs bateram com cassetetes e emparedaram a turma por horas, fazendo revistas e apreensão de drogas e armas. Metade da galera chegou no Pacaembu no começo do segundo tempo, sujos de lama e com roxos pelo corpo todo.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Na cova dos leões

Clarice Lispector escreveu

"Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!"

Raquel Voou!

Raquel na cova dos Leões

Raquel está saindo com Big-Joe, um malandrão da área que lhe dá jóias, roupas caras, sapatos de grife, e tudo mais que ela pede. Ela sabe de todos os rolos em que ele se mete, roubos, mortes e tantas coisas que destruirá sua vida, afinal, está se tornando um arquivo vivo, e pior, acha tudo isso lindo e ainda acredita estar vivendo um conto de fadas.

Raquel está em perigo, envenenada pela cobiça e ganância por um mundo que não a pertence, não sabe que a morte se aproxima.

Na área todos conhecem a vida de todos, nada fica escondido por muito tempo. Muito me indigna a falta de capacidade de enxergar o óbvio que a maioria dos jovens de minha geração possui. Se entregam facilmente, nem mesmo tentam lutar. Muitas vezes, concordo que é mais fácil se entregar às facilidades da vida bandida, mas o que seria das grandes descobertas se não fossem difíceis de se conquistar ou encontrar em lugares longínquos? Oras, nem seriam descobertas!

Raquel, na pretensão de seus 15 anos, ganhou mais um presentinho de seu “amor” Big-Joe. Uma pequena extravagância para a agridoce esmeralda, um Escort conversível vermelho, comprado com dinheiro de drogas. Ela nem mesmo tinha idade para dirigir, mas o que importa isso, Big-Joe vai ensiná-la a dirigir, ela é tão inteligente e aprende rápido, e depois, no bairro não há nenhum policial para prendê-la sem carteira de motorista. Sendo assim, desfila em seu conversível vermelho, e com o brilho das jóias roubadas, tornou-se muito conhecida nas redondezas, afinal, agora era a mulher do Big-Joe! Quem se atreveria a tocar em um fio de seu cabelo?
Aqui jaz Felipe de Souza Bicudo, morto aos 16 anos!

Felipe foi mais um que mexeu com a mulher errada. Casos como estes, acreditem, se tornaram comuns na quebrada, por isso todos já estão avisados como será o fim trágico de quem mexe com mulher de bandido.

Tive muita sorte quando beijei Raquel pela primeira vez. Foi mesmo o porre que tomei, como diria a minha mãe, a mão de Deus pairou sobre mim, mas vi a vovó pela greta! Acho que o cara da época não era tão perigoso ainda!

Aqui no lado sul cada um faz sua história, traça ela como bem entende desde pequeno, mas como nos trabalhos da escola em que utilizávamos régua e alguém encostava entortando o traço, assim é nossa vida: nem tudo sai como desejamos!
Raquel é menina bonita, sempre teve o que quis, filha única paparicada como uma princesa. Lembro que, quando menino, usava Kichute...
Quem não lembra dos velhos Kichutes do Rambo, toda a galera da favela tinha um; a Conga era para ir à escola, muita gente tinha uma também, assim como o tênis Bamba, que era baratinho.
Raquel sempre tinha, ou melhor, sempre queria o tênis com cheiro de tutti-fruti cor de rosa, depois saía desfilando, tirando sarro das outras meninas que usavam Conga. Era um pedaço de gente andando pelas ruas mostrando seu tênis especial. Bem se vê como os seres humanos são moldados de pequenos pelos pais e alguns pelos professores do primário. Minha mãe sempre diz que algumas pessoas já nascem com sangue ruim, com a sombra do capeta guiando o caminho e espetando o garfo para executar as artimanhas do demo.

São engraçadas essas palavras, concorda comigo, leitor? São superstições dos antigos, teorias para comprovar todos os acontecimentos estranhos, aliás, o que minha mãe tem de superstições, não está escrito; cada história de fantasmas, bruxas, espíritos mal intencionados e coisas que aconteceram na cidade dela. É de arrepiar os cabelos, mas não convém contar agora, deixa para uma próxima.
***

A história da Águia

A bela águia que sobrevoa nosso horizonte é capaz de dar uma das melhores lições de vida.
Uma águia é capaz de sobreviver em média 70 anos, mas depois dos 40 já está cansada, com as asas velhas quase sem conseguir voar, as unhas fracas para se agarrar, o bico quebrado pelos apuros e precisões que já passou ao longo de sua vida. Então ela tem duas opções: encostar-se ao alto de uma montanha, ficar quietinha e já sem forças nas asas para voar e procurar comida, esperar a morte lhe devorar pouco a pouco, ou, com o bico frágil, arrancar todas as penas de seu corpo para renascer nova penugem, depois arrancar as garras para que sejam reconstituídas e por fim, o último e mais doloroso, destruir o bico.
É preciso muita coragem, quebrá-lo todo contra uma rocha e esperar que nasça novamente. E depois de toda a jornada, libertada do corpo velho e cansado, poder voar com toda a força e vontade de uma ave que renasceu.

A águia quis renascer para ter ainda mais o gosto da liberdade em sua vida. Padeceu num calvário superando a dor com uma grande coragem encontrada somente em grandes sábios.

Essa lição eu aprendi em uma palestra que um maluco deu no Tenente sobre a coragem que nós da periferia deveríamos ter para superar as fraquezas e conseguir crescer na vida.

E tu Raquel, que és covarde e não ama a liberdade?

Loucura do mundo moderno

Somos todos loucos e apesar do tempo não queremos deixar de ser loucos em uma geração que não dá motivo para ser normal, disse Bob Marley em uma indagação sobre o mesmo assunto que hoje tento refletir. Já outro amigo que não conheci pessoalmente também, o Malcon X, disse que era um louco num mundo onde os normais constroem bombas atômicas! Estou com vocês, caríssimos sábios de seus próprios mundos.

“Nasce o sol e não dura mais que um dia, depois Dalva, se segue à noite escura, em tristes sombras, morre a formosura, em continuas tristezas à alegria”.
Alguém escreveu, mas não sei quem, encontrei rabiscado em minha carteira escolar um dia desses...

Raquel, Raquel, por que sois tão cruel, malvada erva que toma conta de meu ser. É improvável ter uma noite inteira sem que teus belos olhos povoem meus sonhos, bela esmeralda ambiciosa. Tens teu futuro escrito por tuas mãos em folha carvão marcado com sangue.
As águas que correm no tempo deixam pequenos rastros, mas você linda deusa, não enxerga que cairá num precipício se continuar em direção ao longe.

Você me pergunta pela minha paixão

Na inocência de um gesto, todos se tornam diferentes e impossibilitados de serem penetrados pela maldade.
Os dias passam voando, o tempo é inacreditável, quando era criança jamais senti tanta rapidez nos anos. Não consigo compreender o que acontece com ele. O tempo e o sentimento, os dois são difíceis de compreender. Nunca me deram uma boa explicação, talvez porque a chave desse conhecimento ninguém encontrou ainda.
As lágrimas escorrem de meus olhos de tempos em tempos, por causa de meus sentimentos, algo que não sei explicar, que se espreme dentro de mim, muitas vezes sem razão aparente. O tempo em minha cabeça se mistura com o passado, o presente, o futuro, o espaço, algo incógnito, interrogações para Cassiano quebrar a cabeça!Falei difícil de novo, hein?!


“Você me pergunta pela minha paixão,
Digo que estou encantado como uma nova invenção,
Eu vou ficar nessa cidade, não vou voltar pro sertão, Eu vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação.
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração.
Já faz tempo eu vi você na rua,
Cabelo ao vento, gente jovem reunida.
Na parede da memória, essa lembrança é o quadro que dói mais.
Minha dor é perceber, que apesar de termos feitos tudo o que fizemos,
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
Nossos ídolos ainda são os mesmos, e as aparências não enganam.
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém.
Você pode até dizer que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando.
Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.
Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude
Tá em casa guardado por Deus contando o vil metal.
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.”

Elis Regina cantou esses versos

Sábias palavras, amiga que não tive. Apesar de tanto tempo, ainda somos os mesmos.