domingo, 18 de janeiro de 2009

Raquel na cova dos Leões

Raquel está saindo com Big-Joe, um malandrão da área que lhe dá jóias, roupas caras, sapatos de grife, e tudo mais que ela pede. Ela sabe de todos os rolos em que ele se mete, roubos, mortes e tantas coisas que destruirá sua vida, afinal, está se tornando um arquivo vivo, e pior, acha tudo isso lindo e ainda acredita estar vivendo um conto de fadas.

Raquel está em perigo, envenenada pela cobiça e ganância por um mundo que não a pertence, não sabe que a morte se aproxima.

Na área todos conhecem a vida de todos, nada fica escondido por muito tempo. Muito me indigna a falta de capacidade de enxergar o óbvio que a maioria dos jovens de minha geração possui. Se entregam facilmente, nem mesmo tentam lutar. Muitas vezes, concordo que é mais fácil se entregar às facilidades da vida bandida, mas o que seria das grandes descobertas se não fossem difíceis de se conquistar ou encontrar em lugares longínquos? Oras, nem seriam descobertas!

Raquel, na pretensão de seus 15 anos, ganhou mais um presentinho de seu “amor” Big-Joe. Uma pequena extravagância para a agridoce esmeralda, um Escort conversível vermelho, comprado com dinheiro de drogas. Ela nem mesmo tinha idade para dirigir, mas o que importa isso, Big-Joe vai ensiná-la a dirigir, ela é tão inteligente e aprende rápido, e depois, no bairro não há nenhum policial para prendê-la sem carteira de motorista. Sendo assim, desfila em seu conversível vermelho, e com o brilho das jóias roubadas, tornou-se muito conhecida nas redondezas, afinal, agora era a mulher do Big-Joe! Quem se atreveria a tocar em um fio de seu cabelo?
Aqui jaz Felipe de Souza Bicudo, morto aos 16 anos!

Felipe foi mais um que mexeu com a mulher errada. Casos como estes, acreditem, se tornaram comuns na quebrada, por isso todos já estão avisados como será o fim trágico de quem mexe com mulher de bandido.

Tive muita sorte quando beijei Raquel pela primeira vez. Foi mesmo o porre que tomei, como diria a minha mãe, a mão de Deus pairou sobre mim, mas vi a vovó pela greta! Acho que o cara da época não era tão perigoso ainda!

Aqui no lado sul cada um faz sua história, traça ela como bem entende desde pequeno, mas como nos trabalhos da escola em que utilizávamos régua e alguém encostava entortando o traço, assim é nossa vida: nem tudo sai como desejamos!
Raquel é menina bonita, sempre teve o que quis, filha única paparicada como uma princesa. Lembro que, quando menino, usava Kichute...
Quem não lembra dos velhos Kichutes do Rambo, toda a galera da favela tinha um; a Conga era para ir à escola, muita gente tinha uma também, assim como o tênis Bamba, que era baratinho.
Raquel sempre tinha, ou melhor, sempre queria o tênis com cheiro de tutti-fruti cor de rosa, depois saía desfilando, tirando sarro das outras meninas que usavam Conga. Era um pedaço de gente andando pelas ruas mostrando seu tênis especial. Bem se vê como os seres humanos são moldados de pequenos pelos pais e alguns pelos professores do primário. Minha mãe sempre diz que algumas pessoas já nascem com sangue ruim, com a sombra do capeta guiando o caminho e espetando o garfo para executar as artimanhas do demo.

São engraçadas essas palavras, concorda comigo, leitor? São superstições dos antigos, teorias para comprovar todos os acontecimentos estranhos, aliás, o que minha mãe tem de superstições, não está escrito; cada história de fantasmas, bruxas, espíritos mal intencionados e coisas que aconteceram na cidade dela. É de arrepiar os cabelos, mas não convém contar agora, deixa para uma próxima.
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