domingo, 25 de janeiro de 2009

Porcos e galinhas pretas

O bairro tinha um grande número de corintianos. Quando havia jogos, e a maioria não podia ir até o estádio, a rua virava uma grande festa. Todos com as camisas preto e branco, algumas ilustradas com o gavião, grande símbolo da torcida. Depois que o jogo começava, eram exclamações ouvidas ao longe...
- Uhhhhh!!
-Ahhhhhh!

Os fogos também começavam antes da partida, e quando o time começava a perder, as paredes eram abaladas com os pulos e murros que os vizinhos davam. Quanta gente não passava mal, e às vezes iam parar no hospital antes de o jogo acabar. O fanatismo era repassado dos mais velhos para os recém-nascidos, que às vezes já saíam do hospital com a camisa do timão!

Não me lembro quando comecei a ser corintiano, acho que também fui influenciado pelos amigos do bairro que convidavam para assistir às partidas, já que o momento era sagrado e qualquer coisa devia ser interrompida se fosse feita na hora do jogo. Mas o grande sonho era ir ao Pacaembu e ver de perto uma grande vitória do Coringão.
Foi exatamente assim que participei de uma grande aventura, que na ocasião foi o maior sufoco da minha vida...

Podíamos comprar os ingressos tanto na quadra da Gaviões, como no estádio. Nesse dia resolvi comprar o ingresso na quadra, para facilitar, afinal Corinthians e Palmeiras jogando é um clássico, e não podia correr o risco de ficar sem ingresso, ou ter que comprar por preços absurdos dos cambistas na hora.

O dia prometia fazer um grande calor, o Sol já pintava sua cara as sete da manhã. A turma do bairro combinou de se reunir ao meio-dia no ponto final do Jardim Irene. Lá pegaríamos o Terminal Bandeira até o túnel da Nove de Julho e subiríamos a pé para a Paulista, até o Estádio Paulo Machado de Carvalho, o velho Pacaembu.

A partida só começaria às 16 horas, mas como também já sabíamos o que encontraríamos no caminho, o jeito era se antecipar. Caso houvesse imprevistos, ainda teríamos tempo de assistir ao jogo.
Uma galera uniformizada botava banca no busão, alguns com calça, camisa e jaqueta da torcida Fiel. O grupo era de umas 25 pessoas, que durante o percurso do ônibus foi aumentando para umas 70, todas com o mesmo destino, e nessa animação começavam os hinos em grande coro...

Salve o Corinthians
O campeão dos campeões
Eternamente
Dentro dos nossos corações
Salve o Corinthians
De tradições e glorias mil
Eo eo
Tu és orgulho
Dos desportistas do Brasil

A turma batia palma, batia o pé, gritava, todos numa alegria só.
A tristeza nesses dias de clássico era só dos motoristas e cobradores de ônibus. Acho que muitos se pudessem, escolheriam tirar folga nesse dia. Muitas torcidas depredavam o ônibus, e faziam uma zona sem tamanho, deixando os caras nos nervos!

A sorte era que podíamos sair do bairro, porque se dependesse de um ônibus parar nas estradas para a torcida, ninguém chegaria ao estádio.
Depois era descer e começar a caminhada; as torcidas iam se encontrando quanto mais se aproximavam do Pacaembu, as minas se maquiavam, passavam perfume, eram o toque bonito daquele grupo de malucos e malandros. Chegava um ponto que não dava para definir quem era quem, eram todos corintianos e ponto.

Nesse dia a sorte começou pro nosso lado, afinal o ônibus não foi parado pela polícia no começo. Numa outra partida em que isso aconteceu, os coxinhas deram sinal para o motorista parar quando viram os manos dependurados nas portas e janelas. Ao subir, fizeram todos que estavam vestidos com a camisa da torcida descerem. A Nay, a Jana e a Alessandra se livraram nesse dia, pois suas carinhas de moças comportadas (após fecharem o blusão e esconderem a camisa também, é claro) não levantaram suspeitas. Passaram como passageiras normais. Enquanto elas conseguiram ver o jogo, o resto dos manos ficaram de castigo por um bom tempo, depois de levar alguns tapas. Os que tinham drogas, ou algum tipo de arma, foram dali direto para a delegacia mais próxima. Os outros só perderiam o começo ou a partida inteira, era o presente oferecido pelos coxinhas FDPs.

Hoje lembrando, dou risada, mas naquele dia achei que ia morrer. Após descer no ponto do túnel, todos andavam em festa, quando avistamos um ônibus sanfona lotado com palmeirenses, armados com paus e pedras, espremendo-se pelas janelas. E o Aragon gritou:

- Olha os porcos!!!
Enquanto eles gritavam:
- Vamu pegar as galinha preta!!!
Nesse momento eu pensei:
- Morri!
E já comecei a rezar e pedir desculpas por todas as coisas de errado que tinha feito na vida, e que Deus me recebesse de portas abertas sem mágoas pelas blasfêmias que um dia já devia ter dito!

Todos começaram a correr, quando as torcidas se encontravam não tinha jeito, era briga na certa. Muitos já vão com este intuito, o lema da briga vem em primeiro lugar e o jogo é só uma oportunidade. Honrar a camisa era a desculpa para quebrar a torcida rival, e não tinha jeito, fosse são paulino, santista, a guerra ia ser a mesma. Mas o foda é que a sede da Mancha Verde ficava no fim da avenida Paulista, e isso queria dizer que o perigo era dobrado em dia de Pacaembu.

Havia a galera da Mancha Verde, a torcida Jovem do Santos, a torcida Independente do São Paulo e a Dragões da Real. E do Corinthians, as torcidas uniformizadas Camisa 12, Pavilhão 9, Gaviões da Fiel. Eram turmas chapa-quente, por isso (anos depois) inventaram uma norma que em dias de clássicos, essas torcidas tinham que seguir rotas diferentes para chegar ao estádio. E agora nem podem usar a camisa da torcida dentro dos estádios, para não facilitar um conflito que já deu em morte tantas vezes.
Booommmm!!
Eram as bombas, e tiros que a porcada soltava em cima da gente para apavorar. Agora era cada um por si e Deus por todos. Os manos até tentavam proteger as minas, eles se preocupavam com a fragilidade das moças. Se fossem pegas por um revoltado rival, Deus sabe o que podia acontecer. Um mano com certeza seria espancado até ficar roxo, eles não perdoam mesmo, o jeito era tentar andar em grupinhos de pelo menos quatro!

Primeiro pulei por cima de um muro na entrada de um edifício ainda na Nove de Julho. Quando deram uma trégua, subi a rua Peixoto Gomide, tão rápido, que o ligeirinho ficaria no chinelo, cheguei na Paulista sem fôlego e sem cor, tirei a camisa para não piorar a situação, mas quando os policiais pegaram a galera, não teve perdão. Corintianos e palmeirenses viraram somente torcedores e vândalos!
- Os homi chegaram!
- Mão na cabeça, desce todo mundo! Agora!
Respeito é zero, eles nunca acreditavam que no meio daquela bagunça pudesse haver pessoas que merecessem alguma consideração.
- Paredão, todo mundo!

A cavalaria quando chegava botava banca, com uniformes pretos, cavalos gigantes, todos armados. Dava um medo de arrepiar o último fio de cabelo, fazendo todo mundo correr e se alinhar para, segundo eles, organizar a bagunça e evitar mortes!
Foi bom a chegada dos coxinhas, se olharmos pelo lado do massacre que seria se fossemos pegos, pois a turma dos porcos era o dobro da nossa, porém, se contar pelo lado das humilhações, a coisa também foi muito feia. Os PMs bateram com cassetetes e emparedaram a turma por horas, fazendo revistas e apreensão de drogas e armas. Metade da galera chegou no Pacaembu no começo do segundo tempo, sujos de lama e com roxos pelo corpo todo.

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