sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O sapo da macumbeira

O sapo da macumbeira



       Foi quando a macumbeira que morava na esquina descendo a rua João da cruz, chamou os Cavaleiros que brincavam de mamãe da rua, e nos mostrou uma nota de 10 reais. Levantou à frente de seus olhos, e abaixou rapidamente. Era uma sexta-feira 13, dia em que todos ficam esperando acontecer coisas ao estilo de dia das bruxas, a mulher fez uma cara sinistra e sorriu ao dizer:
- Vocês gostariam de ganhar essa nota?
        Ver uma nota daquelas não era comum ainda, pois o real acabava de ser lançado no plano do FHC, e nós estávamos acostumados a ganhar ou achar somente moedinhas de 5 e 10 centavos, ou no máximo 50 centavos. Ao ver aquela vermelhinha, ficamos doidos; um olhou para cara do outro e o Ricardo disse:
- É pra já!  
         Carlitos já começou com aquela euforia costumeira, mexendo as mãos, falando rápido várias coisas, já fazendo planos do que faríamos com o dinheiro, e o Ricardo perguntou:
- Mas o que temos que fazer?
- Muito simples! Eu preciso de um sapo, o maior que conseguirem, é para um trabalho, e eu não consegui encontrar em lugar nenhum.
- É agora!
E saímos naquela correria, afinal não seria difícil encontrar um sapo, não para os Cavaleiros do Apocalipse.
- Isso é uma missão de Rambo, turma. Temos que nos preparar bem, disse o Aragon.
       Fomos até o clubinho e pegamos os adereços para ficarmos realmente parecidos com os aventureiros dos filmes. Faixa na cabeça como o Rambo e guache no rosto como ele fez num daqueles filmes para se camuflar na floresta; quichute no pé para não pisar em cobras venenosas que pudéssemos encontrar no meio da floresta (pura imaginação, pois imaginávamos sempre o pior, nunca vimos nenhuma cobra venenosa no morrão, só cobras de vidro, mas talvez tivesse alguma, né, era mais divertido pensar assim).
       A busca começou divertida, primeiro procuramos os objetos de trabalho, galhos de árvores eram nossas armas. Paramos para comer as uvas japonesas que tinham perto do Tenente, e depois começamos a revirar os lixos perto do rio, abrindo todos os matinhos próximos. Encontramos vários bichinhos nojentos, mas o sapão que é bom, nada! Fomos até o morrão, mechemos no mato e o que mais se encontrava eram tatus bolinhas, lesmas e grilos. Então subimos até o alto, virando o morro e indo pro Embu, e nada dos sapos (parecia que todos tinham sumido de repente). Andamos o bairro inteiro, enfiando nossas armas em todos os buracos visíveis e perguntando para as senhoras se não tinham um sapinho em seus quintais. E nada, a missão tinha se tornado impossível!
- Que droga, a gente vai ficar sem a vermelhinha!!
- Eu precisava tanto de uma graninha!
- Já era meu carrinho novo!
- Eu tinha visto um brinquedo da hora na lojinha da Jaci, agora já era também!
- Meu pião novo!
Todos já choramingavam as coisas que não poderiam comprar com a grana fácil!
- Mas que droga, esses sapos não deveriam ter sumido logo agora que seriam usados!
- A macumbeira ia fazer trabalho ruim, né?! - Disse já de olhos arregalados o Lê.
- Ela vai colocar o nome de alguém escrito no papel, e depois costurar a boca do sapo, para a pessoa morrer, foi o que minha mãe disse que as macumbeiras fazem!
- Acho que foi bom a gente não ter achado o sapo, vai que era alguém que a gente conhece, e o cara  ia morrer seco! - Disse o Rodolfo.
 Todos arregalaram os olhos e foi cada um pra sua casa. 
       À noite, depois que fui dormir, exausto pela grande busca do dia, ouvi o coaxar de um sapo. Levantei-me correndo e fui pra trás da casa. Vi um sapo enorme, e comecei a pular atrás do infeliz, e ele dava cada salto fugindo das minhas mãos! Fiquei com medo dele jogar o leite venenoso e me cegar, mas mesmo assim não conseguia deixar de tentar agarrá-lo. Já tinha virado obsessão prender um sapo, e de repente ouvi minha mãe me gritando!
- Cassianoooooo!
- Espera mãe, agora eu cato esse danado!
 Senti minha mãe me agarrando pela gola, daí, eu comecei a me debater e berrar.
- Me larga mãe, me larga (balançando os braços e tentando me soltar)!
- Pára menino, pára com isso já!
- O sapo, eu preciso do sapo, ele vai fugir!
- Acorda, moleque! Você está sonhando!
- Quê?
     Um sonho, exatamente isso, leitor, um sonho. Quando abri os olhos estava até suado de tanto me debater na cama, eu tinha acordado todo mundo, e diz o Clorisvaldo que eu gritava dormindo:
- Eu vou te pegar, seu sapo safado!! Vem cá, danado!

        Enfim, ninguém conseguiu achar o sapo. Apesar de sempre cruzar com um dos grandes, naquela semana, e nas seguintes também, todos tinham sumido como um passe de mágica. Das duas uma: ou a macumbeira estava fazendo muitos trabalhos, ou os sapos pressentiram a morte e fugiram antes!