domingo, 14 de junho de 2015

Crime passional

     

  Foi estranho quando ouvi esse termo pela primeira vez, aqui mesmo no bairro, ainda na década dourada.
Eu tinha um vizinho muito estranho, como diriam hoje, um tanto que suspeito. Seu nome era Cojak, um careca de mais ou menos 30 anos, uma boca enorme, olhos arregalados e pretos, magro, mas cheio de músculos e um bigodinho de Clarck Gaibor. Armou sua barraca de lona preta no terreno baldio ao lado de minha casa. Ele sobrevivia de catar sucatas, bagulho e todo tipo de tranqueira. No quintal criava marrecos, patos, galinhas, periquitos, e tinha dois cachorros pastor alemão que vigiavam suas relíquias.
         Naquela época, toda semana passava o homem do ferro velho e a molecada ficava muito feliz. Quando ouviam o barulho dos sinos tocando lá longe, já procuravam um pedaço de papelão, ferro, lata, garrafa de vidro e uma porção de coisas que possibilitavam a troca por doces e pintinhos coloridos. Eram na cor azul, vermelho e amarelo.
         A felicidade foi completa para os Cavaleiros, quando o mascote da turma foi adquirido através das trocas. Ganhou o nome de Bob. Um dia o coitado deu de entrar no terreno do Cojak. Os cachorros eram bravos, e não pensaram duas vezes em atacar o indefeso Bob, que teve morte rápida. Nosso amiguinho morreu de tarde e as crianças choraram muito. Elaboramos um velório e o enterro. As meninas trouxeram flores, Carlitos fez o caixão de madeira – era o Cavaleiro de mais habilidades com as mãos, talvez fosse um grande escultor, marceneiro ou algo do tipo -. Cojak olhou para a gente e sorriu, sentimos medo e corremos. Ele não era bem-vindo. Nossos pais falavam que ele era louco, para nunca nos meter com ele.
      Num sábado de agosto, amanhecemos com uma notícia explosiva. Os pés-de-pato invadiram uma casa do bairro, lá havia maconheiros usando drogas e alguns inocentes, que moravam na casa ao lado (moravam de favor, chegados a pouco da Bahia). Ninguém teve perdão, todos foram fuzilados. A chacina deixou nove mortos, foi uma coisa horrível. Alguns se esconderam debaixo do tanque, outro estava dormindo no sofá, todos levaram tiro e tudo aconteceu de madrugada, mas dois carinhas conseguiram fugir, e na correria de pular o muro para salvar-se, um quebrou a perna. No dia seguinte, muitos repórteres e todas as redes de tevê, a molecada fazia de tudo para aparecer, sorrindo e dando tchau para as câmeras, aparecemos no Jornal Nacional. Nenhuma daquelas crianças havia visto coisa igual, tanta gente morta, alguns pensavam que era filme, só que para um filme tinha muito sangue, mas o mais importante para os menores, o bom de tudo, foi aparecer em todos os canais. O louco do Cojak quis reciclar o sofá ensangüentado e trouxe para a frente da janela do meu quarto, a imagem dos caras mortos não me saía da cabeça e com a desculpa de proteger os manos, dormi por duas semanas na cama com eles.
        Acabei de perceber que fugi do assunto, e você deve estar se perguntando o que pintinhos e chacina têm a ver com crime passional. E eu vou lhe responder com todas as palavras: nada. Só relembrei os fatos e resolvi contar, se passaram na mesma época, e você deve saber que uma lembrança puxa a outra, e vá se preparando, ainda lerá muitas lembranças perdidas no tempo, mas não se preocupe, será uma leitura diferente.
        Cojak era um exilado, desprezado pela vizinhança, alguns diziam que ele era um assassino, outros um assaltante, mas a verdade só ele sabia, talvez a Jana soubesse também.
        A bela jovem alta, de cabelos longos e repicados, uma linda morena que morava havia pouco, de aluguel, no bairro com seu marido. Era a Jana, esposa do Torneirinha, sujeito alto e magrelo. Que apelido ridículo esse, mas não cabe agora tentar explicar o porquê dessa tolice. Ficou curioso, não é caro leitor? Eu também ficaria no seu lugar, e em nome dessa curiosidade que castiga qualquer um, contarei, mas aviso que é bobagem mesmo. Você deve conhecer um cara tipo cachorro, daqueles que só usam o poste como urinol ou a primeira árvore que encontra. O Torneirinha era assim, e quando começava, parecia que ia secar o corpo, não tinha um que não ria e em seguida o chamava de torneira. O diminutivo era para ficar mais “carinhoso”.
       Cojak se tornou o melhor amigo do casal, praticamente morava na casa deles, principalmente quando o Torneirinha não estava. A vizinhança comentava, a fofoca corria solta na boca das senhoras do bairro, e o coitado fazia papel de bobo, até os velhos da rua riam por trás. Mas alguém queria despertar a ira do Torneirinha, jogar na cara a  possível traição de Jana. Quem foi? Bem, disso não tenho certeza, uma carta anônima caiu como bomba nas mãos do Torneirinha. Ouvi quando os pneus do carro cantaram e o Torneirinha é quem estava no volante, todos já previam o futuro, Cojak entrou no carro de olhos arregalados e sua careca brilhava como nunca, sua regata deixava à mostra as tatuagens que pulavam de seu corpo, o cheiro de sangue começava a brotar no ar. Depois de uma semana, reaparece Cojak, Jana devolveu a casa e sumiu no mundo com ele, e do coitado Torneirinha não tivemos mais notícias.
Passaram-se cerca de seis meses, quando ouvimos no telejornal uma reportagem:
“Jovem é assassinada, seu carro jogado num rio”.
A manchete era forte, Cojak se declarava culpado e dizia com sua voz rouca:
- Matei por amor, ela precisava morrer para purificar a alma, a morte foi mandada por Deus, ninguém deve fugir do destino.
        Quase foi linchado. Também, depois daquele depoimento! O cara devia estar louco mesmo, pegou vinte anos, e depois foi declarado suspeito da morte de Torneirinha.
Fala aí, leitor! Sinistro esse amor bandido, não é? Cada história... Hoje vemos tranqüilidade no bairro quando há no máximo uma morte semanal. Esse foi o mais famoso caso de crime passional que conhecemos.

         Depois de um crime passional, caro leitor, que tal virar a página e procurar algo menos mórbido?    

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Julgamento escolar

Julgamento escolar
         A minha escola era um barato, lá eu conseguia viver aventuras chocantes, a galera quando se reunia dava trabalho para a direção, mas dizem que tudo isso fazia parte do crescimento, aprender com os erros e descobrir que as conseqüências podiam castigar feio. Sei que não éramos santos, mas estavam nos pintando como capetas. Tive minha ficha suja naquele ano, cabulei aulas, me envolvi em brigas alheias, realmente extrapolei e até assinei o livro negro.
        A turma do colégio descobriu a poperô, dança lagartixa que mesclava todos os ritmos musicais bem rápido. A galera parecia lagartixa em areia quente por conta dos movimentos. Os manos com calças boca-de-pizza, baby look, gel no cabelo ou topete e as minas de cintura baixa, boca-de-pizza e miniblusa, arrasavam no salão, pois em grupo formavam um misto de black music com discoteca. As outras tribos os odiavam, pois eram metidos e se achavam os maiorais nos concursos de dança em danceterias como a Ghost, Reggae Night, New Peoples, Palácio etc... Exemplo disso é quando eram encontrados, sozinhos ou em pequenos grupos, por punks, clubbers e outros, e eram obrigados a correr quilômetros, ou se quisessem enfrentar, apanhavam ali mesmo, por não terem técnicas de briga de rua como as gangues que em vez de dança treinavam lutas.
       Foi um ano de aventuras, catei muitas minas, me enjoei rápido delas, pareciam todas iguais, que não se importavam com nada, aproveitávamos somente o momento. Mas ficar com qualquer uma não era legal, quando o dia acabava, eu ficava pensando em tudo que havia feito, daí vinha o remorso: será que alguma mina se apaixonou? Não era tão simples se apaixonar, e eu estava procurando uma mina ponta firme, algo verdadeiro que não fosse passageiro, para começar a sentir o verdadeiro gosto de um beijo. Longe dos manos ouvirem isso, eles podem mesmo é me chamar de veado, e não é nenhum Bambi bonitinho da Disney, mas sim, uma daquelas bichas que desfilam no centro de São Paulo. Quando alguém usa essas palavras para se justificar, os caras caem matando, e dizem  que é desculpa para não catar mina. Já me apelidaram de coração mole, pode essa? Vai contra a lei dos homens desse mundo. Dizem que homem que é homem não pensa assim. Dane-se, eu vou ser diferente! (Ahaha! Grande coisa isso!) A última mina que fiquei era linda, corpo violão e miniblusa, o umbiguinho que deixava qualquer um louco, os manos pagando pau, e ela veio para mim, toda sensual pedindo um beijo na boca. Os caras, com a mão no queixo, só resmungaram tais palavras:
- Vai nessa, Cassiano, que essa tá no papo!
       Fabrício foi o autor da lista Mulher Maravilha daquele ano, onde ficavam os nomes das minas mais gatas do colégio, e a nota de cada uma. Segundo o julgamento da rapaziada, elas até se sentiam lisonjeadas. Ruim era quando não entravam na lista, ou recebiam uma nota cruel.
Veja o que era julgado:
Beleza, simpatia, corpo, rosto, perna, bunda, boca, olhos.
Mas eles também eram cruéis, havia nota para a mais feia, mais antipática, mais desleixada.
       Depois começava a correria para ver quem ficava com mais minas, e a soma das notas de cada uma decidia o vencedor. O prêmio era mais simbólico que valioso, geralmente um CD, ou algo do mesmo valor que o cara escolhia. Mas não tinha jeito, quem ganhava quase todos os anos era mesmo o chavequeiro do Fabrício. Até que ele tinha presença, mas era metido que só, vivia com o peito estufado se achando o gostoso, usava um brinco de falso brilhante, o cabelo da moda raspado com pente número dois, todo arrepiado e com seu topete (coisas que seu cabelo liso permitia). As minas pagavam pau, e ele não perdoava uma.
        Falando em julgamento escolar, lembrei de um outro fato daquele ano de 1997 que ficou na memória de todos. A turma da 8ª série D ficou famosa no Tenente por ter reunido no mesmo ano os piores alunos (no quesito bagunça e desordem) daquela série, numa mesma sala. Esse título foi adquirido por estes alunos após uma carreira promissora desde a quarta série. Eram eles o Fabiano, o Ratinho, Gilson, Alessandro, Michele, Flávia, Sandrinha, Luciana, Luis Zeferino e outros que eram menos bagunceiros, mas que juntos completavam a galera do barulho, como o Luis (Chamavam-no de babão), Edmilson, Cristian, Nego e a Juliana Vigatti.
        Estávamos no meio do ano, e os professores não agüentavam mais a bronca, não conseguiam domar aquelas feras. Lembro-me até hoje da professora Marlene, que dava aulas de Biologia. No meio da aula a Flávia resolveu se estranhar com a Michele, e até cadeiras voaram no meio da briga, as duas rolaram no chão e o motivo até hoje eu não sei direito, mas a pobre professora entrou em desespero e tentou apartar a confusão, depois foi buscar ajuda na Direção. A sala foi ao delírio, afinal briga de mulheres não deixava de ser um espetáculo. Mas devido a tantas confusões seguidas, os professores começaram a renunciar às aulas na nossa turma, e a dona Elaine teve que interceder dando a idéia de um julgamento popular para tirar os alunos que mais atrapalhavam no rendimento da sala.
      As ameaças já começaram assim que o tal julgamento fora anunciado. Cada aluno seria responsável pelo voto que tiraria esses causadores de confusão, e todos deveriam dizer isso em voz alta perante os réus (imaginem o medo de muitos da sala, sabendo quem eram as encrencas e ser obrigados a dizer a verdade). A Tanícia era a mais covarde, a Flávia havia lhe dito que se votasse contra ela, receberia o troco na rua. Pobre dela, tão pequena e magrinha, tinha o apelido de Pulguinha.
     O julgamento aconteceu no meio da aula, e o professor Adil foi convidado para ser o advogado de acusação (a parte ruim é que ele não conhecia a maioria dos alunos e, portanto, não tinha argumentos verdadeiros contra ninguém, mas isso não foi avaliado). Advogado para defesa nem foi cogitado, afinal éramos o mau exemplo da escola. A dona Elaine e a Zezé estavam presentes também. Uma grande roda foi feita com as cadeiras, a acusação ficou ao centro, e cada aluno deveria dizer quem gostaria que saísse da sala para a turma melhorar. Antes disso, o professor Adil rasgou o verbo e falou mal da sala, do quanto éramos mal-educados, sem responsabilidades, e não tínhamos senso do ridículo por agir como crianças de primário. (Muitos ali não mereciam ouvir tais palavras, mas isso também não foi avaliado.) O medo de todos estava presente em cada olhar. Falar mal do colega não era uma boa, significava comprar uma briga feia, e talvez o ódio eterno desse que fosse expulso. E isso era totalmente desnecessário, pois todos sabiam quem eram os causadores, não precisava jogar essa responsabilidade para gente.
       Sinceramente falando, nem acho que éramos tão ruins assim. Era uma turma mais animada (isso não tenho dúvida), que dava muitas opiniões, falava demais... Arranjava briga com facilidade e não perdoava os professores mesmo, tirando sarro, brincando, e saindo sem autorização (risos) acho que os últimos itens foram responsáveis por essa decisão.  
       Após a votação e a sentença, anunciaram a transferência do Fabiano, da Michele e do Gilson, um para cada sala, assim a turma perderia alguns líderes, e talvez acalmasse a sala. Caso não fosse o suficiente, um novo julgamento aconteceria.
        Biano saiu revoltado, Michele fez cara feia, e o Gilson disse que pegaria na porrada algumas pessoas que votaram nele, mas ao menos nenhum deles foi expulso da escola.

Fim do julgamento.   

domingo, 17 de maio de 2015

Beleza, O significado do bom-dia e outras histórias

O significado do bom-dia

          O Tiozinho era o sorveteiro do bairro quando eu era criança. A senhora esposa dele era uma velhinha que também vendia geladinhos na casa deles, e nos dias de calor toda a molecada arranjava umas moedas para se refrescar com os deliciosos geladinhos da dona Quitéria.
         Agora, leitor, vou confessar algo que se passava na minha cabeça, mas que sempre guardei comigo por não achar conveniente comentar, nem mesmo com os Cavaleiros.
         O sorveteiro era um cara bacana, porque conversava com todo mundo e no final da tarde passava cumprimentando a todos e às vezes até dava sorvete de graça para gente, aqueles que sobravam depois de um dia inteiro de trabalho, mas o mais intrigante era o jeito do tiozinho. Ele carregava no rosto o semblante de uma criança meio boba e sempre feliz, o sorriso nunca saía dos lábios, e o bom-dia nunca saía da boca, mesmo que fosse boa-tarde. Ele dizia com sua voz engraçada:
- Bom dia, amiguinho! Ou bom dia, menino! Bom dia, menina!
        E isso era durante todo o percurso até chegar na casa dele. Era um senhor alto (quer dizer, era, porque hoje descobri que eu era muito pequeno, ele devia ter um metro e 75, no máximo), magro, de cabelos lisos e meio grisalhos, partidos de lado, meio corcunda pela altura mal administrada.
       Ele dava bom-dia até para os cachorros, e todos gostavam muito dele, mas eu realmente acreditava que ele deveria ser louco, afinal, ninguém cumprimentava as crianças (os adultos achavam que não tínhamos sentimentos formados, ou então que não merecíamos o respeito deles). Aliás, as pessoas do bairro não tinham o bom costume de dar bom-dia uns para os outros, davam um simples aceno de cabeça, e estava tudo bem. O tiozinho inovou o conceito desse cumprimento, e apesar de quase não o ver mais pelo bairro, o seu jeito de ser nunca me saiu da cabeça, e hoje eu faço o mesmo, cumprimento até os animais, e por incrível que pareça, às vezes tenho resposta, alguns cachorros também estranham e parecem me dizer, com seus olhares de suspeitos:
- Esse cara tá maluco, nem me conhece e fica puxando conversa, eu não vou dar bola!
E nisso o cachorro vira de costa e sai abanando o rabo e balançando a cabeça negativamente! (Eu sei que é difícil acreditar, mas isso é verdade).
      O bom-dia é muito importante na vida das pessoas, digo isso porque agora vejo como ele muda o nosso dia.   Começar a manhã com um bom-dia – Se ele for verdadeiro, é claro, porque se não for fica muito na cara para quem recebe também –, traz energias positivas de uma pessoa para a outra, está no sorriso e no olhar, e ter o dom de dar vários bons-dias com o mesmo espírito do primeiro não é para qualquer um, por isso tenho tanta admiração por esse senhor.
“Bom dia, Jardim das Rosas!”
        O tiozinho é somente mais uma das figuras carismáticas e marcantes do bairro, assim como temos o Maluco Beleza, um cara que é doido de verdade e perambula pelo bairro há mais de uma década, sempre sujo, cantando músicas, dando jóia para uns que pagam a cachaça ou o cigarro de vez em quando na padaria Curitibana e mandando outros tomar no cu, quando o provocam para vê-lo ficar mais doido. Todos o conhecem, e quando vemos um maluco descendo a ladeira com ginga de Beto Barbosa (ele já usou muita droga na vida, e isso ajudou a acabar com os neurônios dele), o pessoal logo diz:
- Lá vem o Beleza, cuidado que às vezes ele tá de mau humor!




       O mau humor estava presente também nas senhoras sozinhas da região. A Nice, apelidada pelos endiabrados garotos da rua de Rabada, era uma delas. No seu quintal havia as maiores preciosidades do bairro, como o pé de goiaba, o de ameixa, as canas, as bananeiras. E todos queriam pular a cerca para roubar, já que ela nunca dava de graça e nem se pedíssemos (acho que ela tinha muita raiva da molecada que tacava pedra no vidro dela, e por isso usava como castigo a proibição), mas isso era bom, tínhamos sempre uma arriscada aventura em busca de frutas preciosas.
       A dona Celestina era outra, naquela época o bicho pegava, principalmente quando ela lavava a calçada e os garotos gritavam:
- Ô dona Celestina, me dá água para beber, se você não me der água, vou falar mal de você!
Era cabada de vassoura para todo lado, ela jogava água de mangueira, xingava os meninos, e sempre ia reclamar com as mães! Mas não tinha jeito, todos queriam cutucar a onça com vara curta, só para ver o escândalo.

Tanto uma como a outra viviam de caras fechadas, elas não tinham descoberto ainda o segredo da felicidade. Mas hoje a coisa mudou, não sei se somente os anos de experiência, mas algo mudou na vida delas, pois estão sempre sorrindo (parecendo loucas em certos momentos), às vezes ainda criam caso por besteiras, mas acho que só para não perderem o costume.

Com o Mano Brown



Mano Brown 
Aprovando o livro: 
Jardim das Rosas - Diário de um mano

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O sapo da macumbeira

O sapo da macumbeira



       Foi quando a macumbeira que morava na esquina descendo a rua João da cruz, chamou os Cavaleiros que brincavam de mamãe da rua, e nos mostrou uma nota de 10 reais. Levantou à frente de seus olhos, e abaixou rapidamente. Era uma sexta-feira 13, dia em que todos ficam esperando acontecer coisas ao estilo de dia das bruxas, a mulher fez uma cara sinistra e sorriu ao dizer:
- Vocês gostariam de ganhar essa nota?
        Ver uma nota daquelas não era comum ainda, pois o real acabava de ser lançado no plano do FHC, e nós estávamos acostumados a ganhar ou achar somente moedinhas de 5 e 10 centavos, ou no máximo 50 centavos. Ao ver aquela vermelhinha, ficamos doidos; um olhou para cara do outro e o Ricardo disse:
- É pra já!  
         Carlitos já começou com aquela euforia costumeira, mexendo as mãos, falando rápido várias coisas, já fazendo planos do que faríamos com o dinheiro, e o Ricardo perguntou:
- Mas o que temos que fazer?
- Muito simples! Eu preciso de um sapo, o maior que conseguirem, é para um trabalho, e eu não consegui encontrar em lugar nenhum.
- É agora!
E saímos naquela correria, afinal não seria difícil encontrar um sapo, não para os Cavaleiros do Apocalipse.
- Isso é uma missão de Rambo, turma. Temos que nos preparar bem, disse o Aragon.
       Fomos até o clubinho e pegamos os adereços para ficarmos realmente parecidos com os aventureiros dos filmes. Faixa na cabeça como o Rambo e guache no rosto como ele fez num daqueles filmes para se camuflar na floresta; quichute no pé para não pisar em cobras venenosas que pudéssemos encontrar no meio da floresta (pura imaginação, pois imaginávamos sempre o pior, nunca vimos nenhuma cobra venenosa no morrão, só cobras de vidro, mas talvez tivesse alguma, né, era mais divertido pensar assim).
       A busca começou divertida, primeiro procuramos os objetos de trabalho, galhos de árvores eram nossas armas. Paramos para comer as uvas japonesas que tinham perto do Tenente, e depois começamos a revirar os lixos perto do rio, abrindo todos os matinhos próximos. Encontramos vários bichinhos nojentos, mas o sapão que é bom, nada! Fomos até o morrão, mechemos no mato e o que mais se encontrava eram tatus bolinhas, lesmas e grilos. Então subimos até o alto, virando o morro e indo pro Embu, e nada dos sapos (parecia que todos tinham sumido de repente). Andamos o bairro inteiro, enfiando nossas armas em todos os buracos visíveis e perguntando para as senhoras se não tinham um sapinho em seus quintais. E nada, a missão tinha se tornado impossível!
- Que droga, a gente vai ficar sem a vermelhinha!!
- Eu precisava tanto de uma graninha!
- Já era meu carrinho novo!
- Eu tinha visto um brinquedo da hora na lojinha da Jaci, agora já era também!
- Meu pião novo!
Todos já choramingavam as coisas que não poderiam comprar com a grana fácil!
- Mas que droga, esses sapos não deveriam ter sumido logo agora que seriam usados!
- A macumbeira ia fazer trabalho ruim, né?! - Disse já de olhos arregalados o Lê.
- Ela vai colocar o nome de alguém escrito no papel, e depois costurar a boca do sapo, para a pessoa morrer, foi o que minha mãe disse que as macumbeiras fazem!
- Acho que foi bom a gente não ter achado o sapo, vai que era alguém que a gente conhece, e o cara  ia morrer seco! - Disse o Rodolfo.
 Todos arregalaram os olhos e foi cada um pra sua casa. 
       À noite, depois que fui dormir, exausto pela grande busca do dia, ouvi o coaxar de um sapo. Levantei-me correndo e fui pra trás da casa. Vi um sapo enorme, e comecei a pular atrás do infeliz, e ele dava cada salto fugindo das minhas mãos! Fiquei com medo dele jogar o leite venenoso e me cegar, mas mesmo assim não conseguia deixar de tentar agarrá-lo. Já tinha virado obsessão prender um sapo, e de repente ouvi minha mãe me gritando!
- Cassianoooooo!
- Espera mãe, agora eu cato esse danado!
 Senti minha mãe me agarrando pela gola, daí, eu comecei a me debater e berrar.
- Me larga mãe, me larga (balançando os braços e tentando me soltar)!
- Pára menino, pára com isso já!
- O sapo, eu preciso do sapo, ele vai fugir!
- Acorda, moleque! Você está sonhando!
- Quê?
     Um sonho, exatamente isso, leitor, um sonho. Quando abri os olhos estava até suado de tanto me debater na cama, eu tinha acordado todo mundo, e diz o Clorisvaldo que eu gritava dormindo:
- Eu vou te pegar, seu sapo safado!! Vem cá, danado!

        Enfim, ninguém conseguiu achar o sapo. Apesar de sempre cruzar com um dos grandes, naquela semana, e nas seguintes também, todos tinham sumido como um passe de mágica. Das duas uma: ou a macumbeira estava fazendo muitos trabalhos, ou os sapos pressentiram a morte e fugiram antes!