domingo, 17 de maio de 2015

Beleza, O significado do bom-dia e outras histórias

O significado do bom-dia

          O Tiozinho era o sorveteiro do bairro quando eu era criança. A senhora esposa dele era uma velhinha que também vendia geladinhos na casa deles, e nos dias de calor toda a molecada arranjava umas moedas para se refrescar com os deliciosos geladinhos da dona Quitéria.
         Agora, leitor, vou confessar algo que se passava na minha cabeça, mas que sempre guardei comigo por não achar conveniente comentar, nem mesmo com os Cavaleiros.
         O sorveteiro era um cara bacana, porque conversava com todo mundo e no final da tarde passava cumprimentando a todos e às vezes até dava sorvete de graça para gente, aqueles que sobravam depois de um dia inteiro de trabalho, mas o mais intrigante era o jeito do tiozinho. Ele carregava no rosto o semblante de uma criança meio boba e sempre feliz, o sorriso nunca saía dos lábios, e o bom-dia nunca saía da boca, mesmo que fosse boa-tarde. Ele dizia com sua voz engraçada:
- Bom dia, amiguinho! Ou bom dia, menino! Bom dia, menina!
        E isso era durante todo o percurso até chegar na casa dele. Era um senhor alto (quer dizer, era, porque hoje descobri que eu era muito pequeno, ele devia ter um metro e 75, no máximo), magro, de cabelos lisos e meio grisalhos, partidos de lado, meio corcunda pela altura mal administrada.
       Ele dava bom-dia até para os cachorros, e todos gostavam muito dele, mas eu realmente acreditava que ele deveria ser louco, afinal, ninguém cumprimentava as crianças (os adultos achavam que não tínhamos sentimentos formados, ou então que não merecíamos o respeito deles). Aliás, as pessoas do bairro não tinham o bom costume de dar bom-dia uns para os outros, davam um simples aceno de cabeça, e estava tudo bem. O tiozinho inovou o conceito desse cumprimento, e apesar de quase não o ver mais pelo bairro, o seu jeito de ser nunca me saiu da cabeça, e hoje eu faço o mesmo, cumprimento até os animais, e por incrível que pareça, às vezes tenho resposta, alguns cachorros também estranham e parecem me dizer, com seus olhares de suspeitos:
- Esse cara tá maluco, nem me conhece e fica puxando conversa, eu não vou dar bola!
E nisso o cachorro vira de costa e sai abanando o rabo e balançando a cabeça negativamente! (Eu sei que é difícil acreditar, mas isso é verdade).
      O bom-dia é muito importante na vida das pessoas, digo isso porque agora vejo como ele muda o nosso dia.   Começar a manhã com um bom-dia – Se ele for verdadeiro, é claro, porque se não for fica muito na cara para quem recebe também –, traz energias positivas de uma pessoa para a outra, está no sorriso e no olhar, e ter o dom de dar vários bons-dias com o mesmo espírito do primeiro não é para qualquer um, por isso tenho tanta admiração por esse senhor.
“Bom dia, Jardim das Rosas!”
        O tiozinho é somente mais uma das figuras carismáticas e marcantes do bairro, assim como temos o Maluco Beleza, um cara que é doido de verdade e perambula pelo bairro há mais de uma década, sempre sujo, cantando músicas, dando jóia para uns que pagam a cachaça ou o cigarro de vez em quando na padaria Curitibana e mandando outros tomar no cu, quando o provocam para vê-lo ficar mais doido. Todos o conhecem, e quando vemos um maluco descendo a ladeira com ginga de Beto Barbosa (ele já usou muita droga na vida, e isso ajudou a acabar com os neurônios dele), o pessoal logo diz:
- Lá vem o Beleza, cuidado que às vezes ele tá de mau humor!




       O mau humor estava presente também nas senhoras sozinhas da região. A Nice, apelidada pelos endiabrados garotos da rua de Rabada, era uma delas. No seu quintal havia as maiores preciosidades do bairro, como o pé de goiaba, o de ameixa, as canas, as bananeiras. E todos queriam pular a cerca para roubar, já que ela nunca dava de graça e nem se pedíssemos (acho que ela tinha muita raiva da molecada que tacava pedra no vidro dela, e por isso usava como castigo a proibição), mas isso era bom, tínhamos sempre uma arriscada aventura em busca de frutas preciosas.
       A dona Celestina era outra, naquela época o bicho pegava, principalmente quando ela lavava a calçada e os garotos gritavam:
- Ô dona Celestina, me dá água para beber, se você não me der água, vou falar mal de você!
Era cabada de vassoura para todo lado, ela jogava água de mangueira, xingava os meninos, e sempre ia reclamar com as mães! Mas não tinha jeito, todos queriam cutucar a onça com vara curta, só para ver o escândalo.

Tanto uma como a outra viviam de caras fechadas, elas não tinham descoberto ainda o segredo da felicidade. Mas hoje a coisa mudou, não sei se somente os anos de experiência, mas algo mudou na vida delas, pois estão sempre sorrindo (parecendo loucas em certos momentos), às vezes ainda criam caso por besteiras, mas acho que só para não perderem o costume.

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