sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A vizinha

Hoje faço aniversário, e de presente recebi uma nova vizinha. A princesa chama-se Maria e sua rainha Claudete. Quando o caminhão de mudanças chegou foi uma alegria só, era uma vizinhança que recepcionava bem os novos moradores, apesar dos pesares. O caminhão foi aberto e algumas pessoas ajudaram a descarregar e mobiliar a casa alugada. Maria tinha uns 17 anos, com seu cachorrinho no colo, um vira-lata cor de pele, de rabo fino e cara de bobo; bem simpático, até! Não eram muitos móveis, mas aquela família trazia nos olhos uma grande bagagem.
Os olhos são as janelas da alma, quem consegue penetrar um olhar pode ter as palavras certas na ponta da língua, o que evita muitos erros posteriores. Decifrar um olhar vale tanto quanto uma jóia rara, ainda mais, talvez, porque isso o dinheiro também não compra. Nos olhos estão a melhor proposta de negócio, o desejo do próximo, a inveja, o ódio, e o amor. O brilho nos olhos é único em cada pessoa, pena que muitos não dêem valor a esse minucioso detalhe.
Maria tem um irmão chamado Fernando, esse era a figura mais estranha da família, tava na cara que era um viciado em drogas. Tudo de bom que Maria transmitia, da meiguice à tranqüilidade, o maluco transmitia de ruim.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Campeão Continental

No começo ninguém entendia muito bem o que era esse esporte chamado boxe. De repente, os mais velhos começaram a falar o tempo inteiro na porta dos botecos sobre o Marrom e que ele provavelmente chegaria a ser como o Eder Jofre, o grande campeão de boxe, e daria o maior orgulho para a comunidade do Rosa.
Alguns o chamavam de Clarão, outros Marrom, como dá pra perceber o cara era um negão de mais ou menos um metro e oitenta, um garotão que começou a treinar na academia que ficava em cima do açougue no alto do Jardim das Rosas. Todos conheciam o Marrom, pelo menos de ouvir falar, ele também freqüentava os Bambas, e trocava idéia com todo mundo de boa. O cara era humilde pra caramba. Por ainda ser muito pivete, eu não tenho muitas lembranças dele como pessoa, mas não podia deixar de falar sobre ele.
O ano do título foi, se não me engano, 89 ou 90, ganhou o cinturão de Campeão Continental, e todos começaram a espalhar a notícia.
- O Marrom é campeão, galera!
A molecada como sempre só ganhou mais um ídolo, o negócio era lutar, e ganhar dinheiro para ficar rico igual a Marrom.
Depois do título vieram as reportagens na tevê, em diversos programas e jornais, fotos nos jornais, era a hora do sucesso. O negão ganhou a fama e se tornou mais conhecido do que nunca, o cara acabou largando a mulher e os filhos. Aí, a ficha dele ficou um pouco queimada, afinal, ninguém achava justo tal coisa, mas como sempre, cada um sabe o que faz!
Como toda subida, sempre surge a hora da descida, mas o B.O., é que no boxe a descida tem queda brusca, sem tempo de raciocínio. De repente o grande Marrom foi à lona, era a disputa de mais um título, e o cara que o derrubou ainda hoje é famoso, o tal Ezequiel Paixão apagou o Clarão em todos os sentidos.
Aquele dia foi muito triste, todos comentaram, os jornais noticiaram, e a família entrou em desespero. Clarão foi parar na UTI, estava em coma, e o negócio foi bravo, no auge da carreira uma porrada na cabeça quase matou o Clarão.
Mesmo depois de longo tempo, tratamentos e reabilitação, o Marrom nunca mais foi o mesmo, acho que ele ficou com seqüelas e parou de treinar. Não sei o que é dele hoje, mas ninguém nunca mais ouviu sobre ele. A galera mais jovem nem sabe que no Jardim das Rosas também nasceu um campeão.
Essa é a parte chata, leitor, muitas vezes as nossas glórias não são eternas, talvez porque não tenham sido tão importantes. São milhares de estrelas que se acendem e se apagam, e depois somos obrigados a conviver com a escuridão, e olhar fotos velhas recordando bons momentos vividos e conviver com o fantasma do esquecimento, pensar que jamais poderão continuar do ponto parado. A história do Marrom foi assim, qualquer hora vou procurar saber o que o campeão de 89 faz da vida.
O clarão nunca mais acendeu.