quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Tempo não para

Subi no alto do morro de onde consigo ver toda a favela, é estranho como as coisas são diferentes daqui de cima. Tenho aquela sensação infantil de ser o dono do mundo. Há momentos em que o silêncio domina toda a área e dá para ouvir as crianças brincando nos becos e alguns palavrões sendo exclamados constantemente. Nas vielas da periferia é fácil ver uma criança aprender um palavrão antes de qualquer outra palavra. Os becos são iluminados por gatos feitos nos postes, já são 9 horas da noite e as crianças começam a brincar de polícia e ladrão, difícil é achar quem queira ser a polícia, afinal, eles não causam boa impressão quando marcam presença na quebrada!
A morte não é mais triste para essas crianças, elas acham normal morrer de tiro, fazem apenas uma cara feia ou tampam a boca quando vêem mais um corpo estendido. Os tiroteios são comuns, muitos já morreram ou tiveram a sorte de apenas serem atingidos por uma bala perdida sem maiores conseqüências (dizer que é sorte chega a ser irônico, porém é o que dizem as pessoas quando a bala é de raspão).
Toda a favela iluminada – que lindo! Vejo alguns moleques descendo a rua principal de carrinho de rolimã sem se preocuparem com os carros que possam cruzar o caminho. Daí me lembro de quando eu fazia o mesmo com os Cavaleiros do Apocalipse. A diversão era fácil de construir, todos os moleques da quebrada tinham seu próprio carro de Fórmula 1. Apostávamos corrida, mas o legal era desfilar pelo bairro com o carro personalizado debaixo do braço, o meu tinha um desenho dos Caça-Fantasmas e a frente pintada de azul. Era o máximo, meu maior orgulho.
Não sabíamos o que era o mundo e os países; Para a galerinha daquela comunidade o mundo se limitava ao bairro. Guerras, a gente via raramente, mas só as do bairro mesmo, era quando a imaginação muito fértil logo transformava a história num filme de aventura passageiro. Sonhava algumas noites seguidas, discutia com os Cavaleiros sobre o assunto, mas depois tudo passava!
Vou confessar uma coisa que hoje dou muitas risadas quando lembro: coisa de criança, mas na época eu tinha uma certeza muito grande. Eu acreditava que era um ser diferente, único no mundo, como um extraterrestre, e por isso todas as coisas aconteciam em torno de mim, para mim, e deviam influenciar somente as coisas sobre mim. Eu acreditava ser uma espécie de rei e ficava lendo o pensamento das pessoas, achava que era superior a todas elas, que meus pensamentos eram diferentes e era por isso que eu achava tantas coisas erradas, tanta desigualdade, tanta gente precisando das coisas, mas ninguém via, afinal nada mudava, e somente eu enxergava isso. Sentiu a idéia do pivete?
Depois de um tempo descobrimos um bico e o mundo ganhou novos horizontes. Íamos para uma feira de bacana, alguns carregavam sacola para as madames e outros olhavam os carros, e com isso no fim do dia dava para tirar uma boa caixinha. Era a festa dos Cavaleiros. A parte chata era que muitas vezes eu sentia o olhar de deboche e nojo de algumas madames. Eram mulheres com seus olhos maquiados, as bocas enormes com batons vermelhos, bochechas cheias de ruge, ora vermelha como morango, ora rosa como bonecas de porcelana, e o rosto chegava ser repuxado de tanta plástica!!
- Ah, tadinha dessas crianças, qual será o futuro desse garoto? Dá uma moeda, Matilde, deve até passar fome.
Eu sorria, um sorriso falso, que ia até as orelhas, mostrando todos os dentes, e pensava:
- Serei rico e presidente, enche meu bolso de grana e me deixa contente.
As mulheres iam embora, outras vinham, mas pareciam ter um texto decorado, sempre a mesma coisa. E eu pensava: Que povinho sem imaginação! Antes de ir para casa a Doceria da Jaci era o ponto de parada. Nada de gastar tudo! Mas os olhos se enchiam. Estou no paraíso, meu Deus! Chocolates (os caseiros da Jaci eram os melhores do mundo), doces, balas, pirulitos, salgadinhos, maria-mole, suspiros, meus vermes se atiçavam e a barriga chega doía. Dura escolha!
- Minha mãe mandou eu escolher esse daqui, mas como eu sou teimoso escolho esse daqui.
Um doce de abóbora e um suspiro (eram meus prediletos), um pouco de bala para os manos. Feita as compras, casa é a próxima parada!

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