quarta-feira, 6 de julho de 2011

Bate, bate, bate na porta do céu

Aleluia, irmão, reze para se salvar, sai desse corpo, Satanás, porque ele não te pertence, sangue de Jesus tem poder, assine aqui, meu irmão, leve sua alma para o céu, encomende seu corpo ao senhor Deus pai.

Eram milhões de igrejas tentando salvar seus irmãos perdidos, as ovelhas que se desprenderam do rebanho divino, piedade, meu pai, os pastores, irmãos, tantos que manifestavam suas vontades em praças públicas, nas assembléias, e até no buzão. Todos querem evangelizar, como diz a palavra de Deus, testemunhas de Jeová, batistas, evangélicos, católicos, todos crentes, como dizemos em geral.

Foi numa semana de procurar trampo. Peguei o buzão, deslizei pela catraca, o cobrador encrencou. Não acreditou que eu realmente estivesse sem grana. Alguns passageiros entraram em minha defesa, mas o cara não teve educação. Chamou a atenção de todos, queria mesmo era me humilhar. Mas não teve solução e acabou me deixando passar. O que me deixa fodido é saber que tal coisa só acontece com mano trabalhador. Mal-encarado não precisa nem pedir, afinal é 1, 2 para morrer.

Outro dia um mano enquadrou um fela desses, (detalhe, tinha mais 6 manos com cara e assim até covarde tem moral!) e perguntou:
- Posso passar?
- Não! Se não tem dinheiro, não pode querer passear.
- Eu pedi com educação seu filho da puta, vai pagar pau para empresa que não compra sua vida? Desprezar um mano por uma merreca? Você vale tão pouco assim?
- É meu trabalho, faz parte!
- É o seguinte, seu merda, eu vou falar só uma vez. Sabe por que tipos como tu morre de bobeira? Porque é paga-pau, folgado e mal-educado.
Tudo isso com o dedo na cara do cobrador, que devia estar se borrando todo de medo, afinal, dava para ver o volume da arma na cintura do mano. Gaguejou poucas palavras e ficou pianinho...
- Pó-po-po-de passar todo mundo!
Os caras foram para os últimos bancos, não fizeram zona. Mas o cobrador ficou com torcicolo, pois não olhou para a direção deles durante toda a viagem. Mas quando entra bandido ferrado, não há reza que salve.

Na viagem em que entrei hoje, um pastor entrou no meio do caminho, acomodou os quatro filhos menores de 10 anos nos bancos, abriu uma bíblia e começou a pregar. Um nóia armado se revoltou com o tom das palavras, sacou a arma e disparou 5 tiros contra ele. As crianças se desesperaram, começaram a chorar sem parar. O menor de 4 anos se atirou sobre o pai morto no chão do ônibus, ensangüentado, e colocou as duas mãozinhas sobre os buracos de bala para não sangrar. A mais velha ajoelhou-se e rezou!
Foi a cena mais triste da minha vida. O marginal apontou a arma na cabeça do motorista e obrigou-o a abrir a porta rápido para fugir.

O ônibus esvaziou, e o motorista correu para o hospital. Algumas senhoras acompanharam as crianças, outros foram depor na delegacia, e eu fiquei no caminho, pensando no horror que as drogas fazem com uma cabeça. O cara nunca faria aquilo com a mente sã. Agora uma família perdia seu mestre, crianças traumatizadas, e sabe-se lá como ficariam suas vidas dali em diante. A vontade de levar a palavra de Deus ao próximo, ânsia de salvar um irmão, como Jesus, foi morto por um ignorante covarde, para o qual a vida já não possuía sentido algum. E depois de tudo isso, a cabeça desse nóia nem deve se lembrar mais da vida que destruiu naquela manhã.

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