segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O primeiro e o último ano

Novo ano é hora de tomar uma nova atitude na escola. Quando entrei no Tenente, logo pensei: “Mais um ano, ainda bem que é o último”.
Todo ano era a mesma coisa, mudávamos sempre. Esperar uma resposta de trampo, e o resto deixar correr, pois é mais um ano que começa e quem sabe seja melhor que o ano passado.
Eu só queria terminar o colegial e partir para a vida adulta de uma vez (apesar de estar assustado com ela), pois quem sabe assim eu resolveria os problemas financeiros e familiares por causa de dinheiro. Mas depois comecei a relembrar como era bom o primeiro dia de aula. O primeiro ano escolar foi uma alegria única, afinal eu conheceria muita coisa nova, outras crianças; mas de certo modo a turma seria toda de conhecidos, moleques do bairro e das redondezas. Não seria difícil fazer amizade com os novos, difícil mesmo seria descobrir o significado da escola.
Uma mulher séria, mas simpática, de óculos, cabelos cacheados no corte de Chitãozinho e Xororó dizia para a primeira série:

- Sou a professora Lúcia, eu gostaria que todos se apresentassem dizendo o nome e do que gostam. Nós seremos muito amigos.
Bem, era uma boa proposta, e essa foi uma das melhores professoras que tive.
Depois disso, a gente vai prestando atenção nos colegas e montando o grupinho que permanecerá mais unido até o fim do ano, nos trabalhos, brincadeiras e bagunças.

Os grupos eram montados conforme a personalidade de cada criança, e isso já era possível de se observar desde pequenos. Naquela época eu realmente acreditava que era grande e senhor de mim, e tudo o que eu pensava era digno do pensamento adulto, e assim podia tomar as decisões que quisesse.

Dentro das personalidades da escola havia os famosos baderneiros, que na primeira série não passavam de crianças faladeiras, inquietas, que adoravam pregar peças nos colegas e atormentar o sexo oposto. Dependendo do professor que esse pequeno possuir nos primeiros anos escolares, ele pode tornar-se um grande talento ou a destruição da escola no futuro (digo destruição no verdadeiro sentido da palavra, pois vi muitos colegas destruindo a escola com bombas nos banheiros, muros, portões e etc...).
Depois de montar os grupinhos, o comum era rezar para cair na mesma sala todos os anos, para ser o terror ou o queridinho dos professores.

Com o passar do tempo, a gente acabava sempre mudando de tribo. Os estilos de música vão surgindo, queremos imitar os mais velhos com atitudes bacanas (e o bacana para uns não é o bacana para todos). E foi crescendo que vi surgir o grupo dos paga-paus, aqueles que sempre queriam ser iguais a alguém que chamasse atenção, mas nunca tinham coragem de tomar a forma completa do cara; os garanhões ou galinhas, os meninos ou meninas que só queriam saber de aumentar o número de pessoas que já namoraram na famosa lista dos ficantes. (Para os meninos isso era um título, muitas vezes até elogio, mas para as meninas era uma grande ofensa, e o tipo de xingo que nenhuma mina de respeito queria ouvir); os CDFs, aqueles que estudavam muito, sentavam sempre na primeira fila, tiravam as maiores notas e não gostavam de se misturar com os outros, geralmente por serem muito tímidos; as patricinhas ou mauricinhos, aqueles que se vestiam melhor que todos, usando tênis de marca, que tinham materiais de escola mais caros e adoravam exibir para os outros dizendo o quanto o seu pai podia comprar o que quisessem; e o bobo, aquele que não se enturmava de forma alguma, agia de forma estranha, se vestia de forma estranha, e nunca recebia grandes atenções, mas acabava sempre sendo o alvo das gozações. – Toda sala tinha um. Eram muitos os tipos, e eram essas diferenças que geravam as brigas, os quebra-paus que ficaram na memória.

Então, leitor, vossa senhoria conseguiu lembrar a que grupinho pertenceu em uma das melhores épocas de sua vida?
O recreio era a melhor hora do dia, a molecada ficava louca para comer coisas diferentes das que havia em casa; gelatina, bolachas recheadas, pão de mel. Na minha época essas guloseimas eram como Panetone de Natal, vinham uma vez por ano e olhe lá. Por isso a loucura das crianças que muitos chamavam de mortos de fome, porque o medo de ficar sem era tanto, que parecíamos os desesperados das portas da esperança. E nessa apareciam os tiradores de sarro, que nunca perdoavam, desciam correndo na frente, derrubando tudo que encontravam no caminho assim que o sinal batia; comiam o lanche e depois sentavam nos bancos esperando os outros que tinham que pegar a grande fila indiana, esperando muito tempo, e tinham que agüentar a zoação, a gritaria em coro dos encapetados: “Chepeiros, chepeiros”. Aqueles que tinham que bater a chepa na frente dos colegas ficavam roxos, vermelhos de vergonha, alguns até deixavam de comer para não ouvir o título, mas depois iam aprendendo os macetes do ramo e tornavam-se também os tiradores de sarro dos novatos. Era engraçada a cara dos manos envergonhados, tenho muita história dessa época, mas isso deixa para um outro dia, valeu?

Agora era lembrar que o antigo barracão tornou-se o Famoso Tenente Ariston, cenário de muitas estórias e grandes aventuras de algumas gerações, que os mestres que ali estiveram estão se aposentando, que os colegas que ali fiz estão procurando seu rumo, e que eu devia me despedir em grande estilo.

Algumas provas, trabalhos... Estou quase vencendo mais uma batalha, dessa vez eu não levo bomba.
O melhor da escola era conhecer gente. Todos os anos entravam alunos que não eram do bairro, gente que vinha de outro Estado, bairro ou escola, e eu estava pronto para fazer novas amizades, e os antigos prontos para fazer história com novas confusões.
Desta vez o Sinézio resolveu fazer algo estrondoso. Colocou uma bomba caseira no vaso sanitário de um dos banheiros do último andar. Essa privada foi para os ares, e o barulho realmente fez o estrondo esperado durante o período de aula. Aquele dia foi uma comédia, todos saíam e entravam em desespero nas salas de aula, pensavam que era tiro. Foi uma correria geral pela escola até descobrirem que tudo havia se passado no banheiro. Todas as classes já estavam em disparate. Foi quando a diretora dona Elaine montou sua comissão de investigação e queria que aparecesse algum dedo-duro. A cara dela e da dona Célia eram hilárias, todos riram muito, mas se tivesse alguém lá para culparem, não queria nem estar perto para ver o resultado. Mas alguém dedurou o grupo que planejou a brincadeira, pois os bolivianos estavam sendo acusados injustamente. O Ronald, Ronaldo e o primo Rob levavam a culpa, mas Sinézio acabou assumindo a culpa toda, sozinho, e por isso condenado pela dona Elaine e expulso da escola.

Os amigos fizeram tumulto, foi uma grande confusão, não assistiram aula, mas foi em vão, a pena foi executada e ele saiu da escola. E essa história é contada sempre que alguém lembra de um atentado!

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