segunda-feira, 14 de maio de 2012

Os mestres do último ano e as lembranças do Tenente

O tenente Ariston tinha alguns bons profissionais, outros nem tanto e outros totalmente fora do contexto docente. Lá, eu conheci a Azelha (Se eu não tiver errado ou nome, é claro), acredito que era coordenadora, pois não me lembro bem do cargo. Essa mulher foi muito marcante na minha vida, tive muitas conversas com ela, sobre meus sonhos, minhas vontades e sobre a minha vida, então, ela recomendou que eu lesse um livro chamado”Outsiders – Vidas sem rumo”. E esse livro me fez refletir muito sobre minhas atitudes e das pessoas que estavam a minha volta, também acredito que mudou para melhor a convivência com meus irmãos e o relacionamento com meus amigos. Jamais vou esquecer essa mulher, que com sua doce voz, tinha sempre uma palavra amiga e sábias palavras para acalmar o animo dos revoltados. O professor Abinei dá aulas de português. Um típico cara sem dom para o negócio, cachaceiro de fama antiga, chega de ressaca na sala, com uma cara de quem diz: - Quero que o mundo acabe em barranco, para eu morrer encostado! Um dia pediu dinheiro para apostilas de literatura e sumiu com o dinheiro da sala, não voltou nem para fechar o semestre. Todos dizem que ele gastou no boteco em cachaça. O professor Adil, de matemática, me ensinou a jogar xadrez e um jogo chamado War. Muito produtivas as aulas no ano de vestibular, muita conversa jogada fora e aprendizados culturais. A Ivane tentou ensinar inglês, foi em vão novamente. Mas, segundo o voto popular dos manos do colégio, era a professora mais charmosa e simpática, o que fez valer passar o ano batendo a cabeça no verbo to be e to have. Na real, só lembro da frase célebre: The book’s on the table! O professor de história, José Carlos, era um maluco estranho com cara de fugitivo da ditadura. Fugiu ou foi expulso da escola no meio do ano. Bem, os educadores do terceiro colegial não conseguiram ter muitos alunos na faculdade nesse novo ano! Mas o melhor foi a festa de despedida. A escola se reuniu e todos os alunos colaboraram. A banda do Silas, os Febrentos, formada pelo Fabiano, o Cristiano, o Binho, o Diego e o grupo de rap do Ricaboy apresentaram os sucessos. Cantaram músicas que embalaram nossa passagem pelo Tenente. O ex-barracão não veria a gente nem tão cedo depois que esse ano acabasse. A Adriana levou a máquina fotográfica e tirou fotos da galera. A lembrança do grupo que reinou naquele castelo, e que por pouco não o botou abaixo. E quando fomos ver a lista dos aprovados, todos caíram na gargalhada, eu e os manos de fé estávamos livres para a nova jornada. Ai de mim, disse um trovador nas aulas de literatura; Ai de mim agora, diz o Cassiano! Fizemos a correria por toda a escola. Enquanto a galera dançava um axé, relembrei os 13 anos que ali vivi. O corredor da morte no último andar, quanta gente não apanhou ali, e também não bateu. As janelas me pareciam prisão agora; cheias de grade. Passei anos sonhando com a data da saída, os sóis que vi reinar no céu, e as luas, as mesmas que fizeram meus pensamentos voarem fugindo de tantas aulas. Os professores sempre me repreenderam, houve dias em que viajei legal, e sequer ouvi os colegas. Quantos sonhos nasceram e morreram enquanto eu olhava por entre as grades... Senti-me tão saudoso naquele fim de festa, nostálgico, como dizia a Linete; Passei pelas salas em que estudei, cada cadeira que sentei. Que memória eu tinha, hein! Fui lembrando dos colegas que nas cadeiras próximas também sentaram, e daqueles que se foram eternamente. Momentos marcantes me vieram na cabeça, como aquela noite em que resolvi me declarar para uma mina nova na escola, que tinha me fisgado desde o primeiro minuto que a vi. Seu nome era Fabiana, uma morena maravilhosa que, para dificultar as coisas, parecia ser tão tímida quanto eu. (Acho que só as morenas cruzavam o meu caminho. Impressionante, não é?), isso na sexta série, quando eu estudava à tarde. Ainda não estávamos no horário de verão, portanto, lá pelas seis horas já era noite escura dentro da escola. Por ser horário de aulas não havia pessoas pelos corredores, mas o real motivo para todos ficarem quietos era o tempo. Um pouco de frio fazia com que todos permanecessem nas salas de portas fechadas, abafando o barulho das turmas pelo restante da escola. No verão todos sempre arranjavam uma desculpa para ficarem fora das salas: tomar um ar, ir ao banheiro, ataque de asma, passar mal, e depois ficavam zanzando pela escola às escondidas, porque teriam que fugir da dona Elaine ou da Zezé, as diretoras do Tenente naquele ano (porque, em outras palavras, isso ganhava o título de cabular aula). Mas, continuando (desculpa, mudo de assunto muito fácil, estou tentando corrigir isso também), a minha turma na verdade estava com aula vaga. Tinham poucos ali, o Gilvanei (Salomão), Magda, Zeferino, a Paty, a Pulguinha, a Denise, o Ratinho, o Jão, entre outros que agora esqueci os nomes. Na verdade eles não eram amigos, só colegas. A maioria da sala foi embora, e resolvi não ficar fazendo média perto deles. Permaneceram numa rodinha já empolgados com as histórias da vida alheia, e das descobertas que estavam fazendo (sugestiva essa frase, eu diria). E como um bom babaca que sou... lá estava caminhando sozinho, subindo as escadas que davam para os banheiros (A visão era feia; tudo escuro; ameaçava cair uma chuva de voar barraco, trovões e relâmpagos. Mas todo aquele clima sinistro era bom para minha imaginação). O cara da cantina tinha o rádio ligado que tocava uma música do Paulo Ricardo, “A cruz e a espada”. Eu nunca havia ouvido, ou talvez nunca tivesse prestado muita atenção nela, mas o engraçado é que naquele momento ela tocou fundo.... ....Havia um tempo em que eu vivi, um sentimento quase infantil, havia o medo e a timidez... Ela dizia mais ou menos o que eu estava sentindo, com as pernas bambas (eu sempre fico assim nesses momentos de paixão). Planejava as palavras que diria à Fabiana, talvez um verso, recitar um poema. Mas será que a mina curtia essas coisas? Melhor chegar logo falando. - Oi, Fabiana, gostei de você desde o dia que cruzou a porta da escola. Tá a fim de ficar comigo? Seria muito direto, mas pelo menos se ela estivesse a fim não ia dá tempo de fazer rodeio. Tava em alta na época a tal das indiretas, todo mundo queria jogar indireta para ficar com alguém, era mais moderno ser indireto (achei muito engraçadas essas palavras, era a primeira vez na vida que eu usava esses termos, direto, indireto, concreto.... coisas das aulas de português). Mas, enfim, também pensei em fazer como nos filmes que passavam à noite (aqueles românticos em que minha mãe acabava sempre desligando a tevê quando a moça ameaçava tirar o sutiã), olhar bem nos olhos, e fixar toda a minha vontade de beijar a boca dela, até ficar desconcertada e me perguntar o que tanto eu olhava (Isso é claro, com ela tendo a certeza, mas querendo ouvir da minha boca, por isso faria a pergunta.). A tática era a seguinte: se ela não quiser nada, vai fingir que não reparou na minha secada (reparando-a dos pés à cabeça) e vai para outro canto; se quiser, vai perguntar só para ouvir um “fica comigo!!”. E o Paulo Ricardo chorando naquelas músicas de corno. As pernas bambas, o coração acelerado (é bicho bobo, mesmo), o pensamento a mil por hora, e toca o sinal Annhammmmmmmmmmmmmmmmmmm! É hora do intervalo. Ela vai descer, linda e maravilhosa, e eu vou partir para o ataque! A última tática deu certo, fiquei até com a boca doendo de tanto beijar naquelas duas aulas (claro que nenhum de nós voltou para assistir as últimas aulas). Depois de algum tempo, não sabia nem o nome da matéria. A Fabiana era o tipo de mina que sempre muda de escola, então a paixão acabou tão repentina como surgiu, e nunca mais tive notícias dela! Passageiro como muitos outros pensamentos, também lembrei das festas de que participei. Tudo isso, eu ficava imaginando da escada que dava visão para o pátio inteiro; a escola parecia estar cheia de fantasmas, e eu sentia um arrepio o tempo inteiro (muitos que passaram por ali agora estão mortos). A festa de halloween de 1996 foi a mais cabulosa entre as temáticas, todos fantasiados de monstros. O bom desse tipo de festa era que ninguém gastava muito, usávamos roupas velhas, sangue feito com Ki-Suco, groselha, maquiagens horripilantes e roupas pretas. Muito preto dominando os corredores, vampiros, bruxas, múmias, mortos-vivos, fantasmas, etc. A procissão com o caixão, levado pelo Daniel e o Zeferino na linha de frente e o Alexandre e o Pinó na retaguarda, os sustos na sala dos horrores, a música da novela Vamp no último volume .... “Calada noite inteira, noite inteiraaaaaaa...” Os moleques aproveitavam a escuridão para dar uns amassos; as salas ficavam congestionadas de casaizinhos. Os clubers tinham invadido a região dançando as músicas eletrônicas e pregando sustos em professores, a dance music tava em alta e até os professores caíram na gandaia!! O Pinó era um dos piores, moleque magrelo de nariz arrebitado que andava pelas ruas do bairro, algumas vezes com um calango chamado Bart no ombro, outras com uma cachorra parecida com a Priscila do TV Colosso. Estava naquela turma dos destemidos que zoavam e aprontavam todas só para ver a merda acontecer. Se ele estivesse perto quando algo errado acontecia, era logo acusado, um suspeito só de sorrir para as autoridades. No dia desta festa, levaram para a escola uma garrafa de refrigerante cheia de pinga Velho Barreiro, isso depois de uma combinação com o Testinha, o Gilson, o Biano, a Sheila e o Ratinho. O Alessandro tinha levado uma bebida alcoólica com menta, que também deixou todos muito loucos. O bolo quase não foi aproveitado, pois quando essa turma chegou fez uma guerra utilizando como armas o pobre bolo (que, aliás, estava muito ruim, pois a Gilcéia e a Ivone tinham feito com massa de caixinha, e não conseguiram achar o ponto certo. Ficou com gosto de cru, sem contar a cobertura feita com manteiga vegetal e açúcar. Ele chegou na escola todo despedaçado porque veio no Fusca do Washigton, balançando até chegar no Tenente). A guerra até que foi engraçada, tinha gente com pedaço de bolo dentro do nariz, e a turma bêbada rindo como hienas, caídos pelos cantos da escola. Tudo isso rendeu a proibição de festas como aquela por um bom tempo. A sargenta Elaine era linha-dura e tinha a fama de ser a mulher mais brava que o Tenente já conheceu. Todos os alunos tinham medo dela, diziam que ela guardava uma cinta na gaveta (ela mesma contava para nós alunos quando ia nos visitar, só para botar banca,) e utilizava nos encapetados que iam parar na sala dela para o interrogatório final antes de assinar o livro negro. O Pinó visitou tantas vezes essa sala que já havia se tornado íntimo dela, dizia ele que tomava até cafezinho quando era obrigado a ir pra lá. Mas do castigo eles não se livravam, tanto ele como o Testinha e o Biano, já passaram os intervalos limpando as paredes pichadas. O Pinó já teve como castigo a obrigação de lavar banheiro, ajudar a lavar as canecas com as merendeiras, limpar lousa de sala, varrer pátio, e isso era apenas alguns dos castigos aplicados aos engraçadinhos que pichavam a escola. E as brigas que rolaram... No corredor do último andar a maior lembrança foi quando a Valquíria rolou no chão com outra menina que nunca consegui guardar o nome. A Valquíria era uma menina de 11 anos, mas muito invocada, e partia pra briga com qualquer um que provocasse. Aquela briga tinha sido por causa de um menino que as duas estavam paquerando!! Briga de mulher era sempre a mesma coisa, arranhão pelo rosto, puxão de cabelo, tapa na cara. A escola inteira parou para ver, e as torcidas só sabiam gritar, separar que é bom ninguém se atreveu; até chegar a sargenta Elaine e solicitar que as duas a acompanhassem até a diretoria, acabando com o show!! E nas semanas seguintes as duas ficavam se estranhando pelos corredores como cachorros zangados. Tinha o Boi, um rapaz que tinha problemas mentais e ficava perambulando pelas ruas do bairro. Ele ficava próximo da escola e começava a tacar pedras nas janelas; a molecada não perdoava e ficava xingando ele para que ficasse mais nervoso. Quando o Tenente ainda era o Barracão, feito de madeira, ele abrigava, além dos alunos, uma porção de ratos que ficavam correndo pelas salas enquanto os professores tentavam dar aulas. O professor Moacir contava muitas histórias sobre essa época. Era engraçado porque em dias de chuva a coisa ficava feia, tanto pelas goteiras como pelos ratos, pois a escola ficava de frente para um matagal. Era hora da partida. Abri os olhos e vi o corredor vazio novamente, olhos que vidraram na escuridão do céu paulista, negro por falta de estrelas, falta de estrelas por tanta poluição, e as poucas que resistiam com sua força formavam as constelações mais famosas. Nunca soube identificá-las corretamente, mas sabia que lá estavam Andrômeda, Pegasus, Aquarius, Taurus, um grande conhecimento adquirido com o maravilhoso e educativo Cavaleiros do Zodíaco, desenho japonês que virou febre entre a molecada, e até as meninas gostavam, pois tinha as amazonas guerreiras, Poseidon, Athenas, sucesso absoluto. Então, como eu escrevia antes, na escuridão do céu eu dizia para mim que enfim chegara o tempo das mudanças. Devíamos erguer a cabeça e pôr o mundo aos nossos pés. Eu precisava rir da vida antes que ela começasse a rir de mim e o sorriso virasse gargalhada. O bom era entender a piada e rir junto com ela, mas se não desse, o jeito era segurar firme e não deixá-la fazer gol em mim. É chegada a hora. Nem sempre sofrida Dever ser a partida A música cantada agora Deve ser lembrada Como passagens em nossa história Montanhas escaladas Sofrimentos em silêncio Tombos marcantes Mensagens significantes Acabou a festa, senti o peito apertando. Enfim, saí do colegial. Mas não deveria sentir muita tristeza, pois todos os colegas também sairiam junto. Os companheiros buscavam novos rumos (ou os velhos rumos dos pais) e cada um tinha que olhar para frente, e não para trás. Alguém me disse uma vez que o certo é olhar para frente e não ter medo de arriscar; só assim as coisas acontecem. Sou Cassiano, formado na Escola Estadual Tenente Ariston de Oliveira, sem experiências que contem no currículo, sem cursos profissionalizantes ou de línguas. Desempregado e cheio de vontade de trabalhar em qualquer empresa. Próximas aventuras no capítulo seguinte... ***

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