sábado, 13 de dezembro de 2014

O nascimento dos Sete Cavaleiros do Apocalipse

A época mais feliz da minha vida foi entre os sete e os doze anos, meia década de pura alegria, diversão, descobertas, e símbolo de uma grande amizade. Nossa periferia fora esquecida pelas grandes autoridades. Nosso mundo de fantasia abandonado, onde só Deus era a proteção. Em meio à desigualdade, sem luxo em meio ao lixo, crescíamos, crianças que sonhavam com brinquedos comprados, tristes, por muitas vezes passar o Natal em branco, sem festa, sem presentes, construindo seus meios de diversão.
Carlitos, Aragon, Lê, Gil, Rodolfo, Ricardo e o Cassiano, esse que vos escreve.
       Crescemos juntos, a diferença de idade era pouca entre todos, nos tornamos amigos nas brincadeiras de rua, tornando-nos inseparáveis. Algumas vezes chegamos a brigar, de rolar no chão, Ricardo gostava de comandar e às vezes disputava no braço, mas nada que uma noite de sono não o fizesse esquecer.
       Fizemos um pacto de amizade, como um filme a que assistimos certa vez. Como vivíamos ralados, com machucado por todo o corpo, e ninguém teve moral de cortar o dedo, só tiramos a casquinha das feridas (Nojento isso, hein! Aposto que acabou de fazer uma cara feia e deu risada por ter arrancando muitas casquinhas de machucado também!). Então juntamos os cotovelos, joelho, dedão do pé e fizemos o pacto. Nos reuníamos na rua mesmo, até que o Gil construiu o clube, um amontoado de madeira no campinho. Seria a nossa maior realização, algo só nosso.
       Descobrimos a maldade, e que o mundo não se limitava somente ao nosso bairro. Apesar de muito unidos, cada um com sua personalidade, trilhou seu caminho. Sonhos, todos tinham, e eram perfeitos, mas o dia-a-dia os foi destruindo aos poucos. É preciso ser forte, quem conseguiu passar por todo o aprendizado das periferias e das maldades da favela e saiu ileso ou com apenas arranhões, é sobrevivente e vencedor.
       Uma vez fomos à igreja, e o padre falava sobre o apocalipse. Não entendemos nada, aliás, só fomos aquele dia por anunciarem a entrega de doces no final da missa, mas concluindo, a gente gostou mesmo foi do nome “apocalipse”. Era forte, e o padre falava com tanta importância! Assim que ouvimos olhamos uns para os outros, olhos que brilhavam, acabavam de ter a mesma idéia.
- Seremos os Sete Cavaleiros do Apocalipse, disse o Carlitos.
      Era o máximo, acreditei ter me tornado mais importante pelo nome que o grupo recebera, não somente eu, todos nós começamos a andar com os peitos estufados, cabeças erguidas, andando lado a lado, para fazer pressão nos outros garotos (ganhar fama de poderosos, como um grupo forte e temido pelos outros, era nossa meta inconsciente). Uma comédia. Hoje lembro da cena e tenho vontade de rir, éramos pivetes de 7, 8 e 9 anos usando roupas feitas pela costureira, nossas mães, é claro. Eram shorts curtos, com elástico na cintura, camisas de botão abertas até em baixo, algumas listradas, outras xadrez, de bolinha, gola de camisa de gente grande e nos pés chinelo de dedo Havaiana (na época acredito que usavam o slogan “As mais baratas”, pois todo pobre tinha uma). Os penteados deixavam nossa marca, o Lê e o Aragon usavam o cabelo de lado, um era liso e o outro encaracolado. O Gil e o Ricardo pareciam um dos Jackson Five com seus black powers. O Rodolfo tinha o cabelo encaracolado, demorava a cortar e pareciam molas. O meu cabelo eu gostava comprido, até chorava quando minha mãe brincava que ia cortar. O Carlitos tinha o cabelo bem enroscado, sempre rente à cabeça, pois a mãe dele cortava, para evitar os piolhos.
       Era uma época fácil de se divertir, cada menino tinha seu carrinho de rolimã. Apostávamos corridas em descidas, desfilando pela favela com os carrinhos personalizados, o meu tinha um adesivo dos Caça-Fantasmas, a frente pintada de azul, era chapado! Não sabíamos o que era o mundo e o país. Guerra, só as do bairro, que na época eram muito poucas, algo para despertar a curiosidade. Um filme passageiro. Depois tudo voltava para os mesmos lugares.

       Assim eram os Setes Cavaleiros do Apocalipse, os grupos mais famosos do pedaço. Moleques que impunham respeito sobre os outros. A pivetada tinha inveja da gente, pois sempre estávamos unidos, até na hora das brigas, tristezas, e principalmente das alegrias. Aprendi que jamais levaríamos a vida, mas sim que seríamos levados por ela quando menos percebêssemos.


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