sexta-feira, 18 de julho de 2008

Visão do paraíso




A realidade impede o desenvolvimento de muitos jovens na periferia, desacreditados na igualdade social. Eu sei o quanto é difícil entender o que se passa na cabeça dos jovens da favela, eu sei o quanto é difícil entender o que se passa na minha cabeça!





A dona do meu lar vê os acontecimentos ao nosso redor de olhos atentos: a molecada se envolvendo no tráfico, os pivetes ainda tão novos já usando drogas, os ladrõezinhos sendo assassinados. Ela morre de medo que um de seus “filhinhos” se envolva com o mundinho podre, e nos sufoca de tal forma que dá vontade de jogar tudo pro alto e mandar a velha para o espaço. Só proibições não fazem a diferença em nosso pensamento, o mundo parece mais simples do que realmente é; e é mais perigoso do que realmente parece .
Não sei se o fato de eu ser o mais velho e ter que dar o exemplo faz com que ela passe dos limites, exigindo muitas vezes mais do que posso lhe dar; não consigo obedecer minha mãe em tudo, afinal, moramos na periferia e não podemos nos excluir da galera. Ela bota defeito em todos os meus amigos, acha que ninguém está a salvo, que são todos malandros, ladrões, traficantes, ou usam alguma droga. Acredita fielmente em influências, não permite que ninguém venha visitar o barraco. Se aparecer alguém, ela esculacha sem dó e às vezes expulsa na cara dura, chama atenção de todo mundo e me mata com essas atitudes. Os manos não perdoam também, metem o pau nela, a chamam de louca e esclerosada, dizem pelos cantos que ninguém pode chegar perto da dona Jacinta, o bicho pega porque a onça se irrita. Se no portão aparece um mano com problemas querendo desabafar, e ela não conhece, Jacinta não pensa duas vezes e bota o moleque para correr. O mais engraçado é que se acha muito carola, reza o dia e a noite, chega cansada do trabalho, mas não deixa de ir ouvir o sermão, mesmo que seja somente pelo rádio, pega sempre um exemplo da rua e mostra pra gente, mas no fundo não aprende merda nenhuma, não consegue sequer compreender as pessoas, não acredita nas palavras.

Não sou um sofredor
Do asfalto um sonhador
Das letras faço a alma
Da morte única calma.
Espero dos montes uma certeza
Certeza impossível que não me vejas
Passas distante
Queime o bastante
Alastra-se como a guerra
Enfraquece sobra miséria.
Não sou um sofredor
Do asfalto um sonhador
Nasce poesia
Verdades e mentiras
Não fale da vida sórdida
Faltam ouvintes
Sobra discórdia
O soldado verde quer dar um tiro
Só resta rezar senhor mendigo
Playboy não dá alívio
Vira e mexe um novo crime
Papai rico livra e não reprime.
Cala a boca marginal
Não tem direito e nem moral
Periferia é esgoto
Acumula morte e desgosto.
Mães aflitas
Filhas distintas
Pai desempregado
Filho bastardo
Vizinho ladrão
Corre, lá vem camburão.
Febem é escola
Prisão, punição
Faculdade do cão
Vejam a bagunça
Reparem na podridão
Mas não esqueça que na favela
Existe gente honesta
Periferia não é mordomia
É escola de vida

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