segunda-feira, 30 de junho de 2008

Como os nossos pais

Às vezes, quem mora na periferia não acredita que realmente exista um mundo diferente fora dela, só em novela mesmo. As coisas são pintadas da forma mais obscura. Acho que é isso que dificulta a subida nos degraus; os degraus para o sucesso, para uma vida melhor. Os autores dessas pinturas são aqueles em que acreditamos quando ainda somos o fio da esperança.
Às vezes eu paro, sento num degrau, fico a olhar para os lados, para o céu, e vejo a noite sem estrelas pelo ar poluído. Reflito, penso na vida miserável que somos obrigados a aceitar. Dá uma vontade de chorar, mas não é fraqueza, é ódio mesmo, tanta gente com muito, e outros com nada, tanta falta de oportunidade. O que fazer para mudar?
Cada dia que passa um amigo cai, cheio de bala.
-É mais um fraco! Dizem as autoridades.
-Escolheu o caminho errado, Dizem os donos do poder.
Mas que caminho? Tem hora que o demo tampa nossos olhos e o conveniente é a única solução. Caminho curto e dolorido, mas quando os olhos estão livres de vendas não há mãos estendidas, há sim palavras bonitas, piedosas, mas que só castigam um cara sem sonho e sem direção.
Encontrar alguém que possa informar o caminho certo para o sucesso às vezes é difícil, pois todos têm sua resposta, que geralmente é furada. Mas depois que alguém encontra a certa, o duro é convencer os manos de que todos devem segui-lo. Ninguém confia em ninguém nessa terra de Deus, o pé atrás está presente até mesmo na conversa com o melhor amigo.
Aprendemos a conhecer o caminho com os nossos pais. Entre tantas palavras de ordem desses seres de mais sabedoria, as que batem mais forte são as que falam dos sonhos: que não devemos sonhar muito alto, porque quem sonha cai da cama. Quem sonha pode não acordar, porque o futuro chega rápido e temos é que tratar de seguir o mesmo caminho que eles, porque na pior das hipóteses, não passaremos fome. E aí, o tempo vai passando, e sem perceber, nos tornamos como os nossos pais. Assim como muitos ricos, seguimos os exemplos que estão próximos.
Sabe, leitor, há dias em que sinto um ódio sem dimensão desses adultos que se consideram os donos da razão, os mesmos adultos que infelizmente são as únicas peças de direção das crianças da periferia e fazem disso a perdição de muitas. Alguns adultos mostram a direção sem futuro promissor ou a direção ao abismo. Quando eu digo que daqui, não temos dimensão do mundo, digo também que não acreditamos nas coisas boas que mostram na tv, porque na prática, só enxergamos os bandidos, os traficantes, os pais bêbados, as mães cansadas de tanto trabalhar em casas de família ganhando tão pouco; enxergamos os políticos esquecendo as promessas de urbanização e melhorias na favela sempre que eleitos; a malandragem crescer dia após dia; os assaltantes se dando bem cada vez que estouram a boa, ou morrendo cada vez que os gambés estouram a boa.
A vida loca faz com que a maioria da população carente não se dê conta da geração que vai se estabelecendo seguindo seus exemplos. Os pais dizem apenas que devemos estudar para ter um futuro melhor, mas ao mesmo tempo não buscam o estudo, não buscam nenhuma forma de cultura ou sabedoria que possa levá-los a melhores condições de vida.
Muitas mães colocam as crianças para pedir dinheiro em farol de bairros ricos, às vezes descolam balas para os filhos venderem e até panos de prato que bordam. Com isso, essas crianças, se tornam adultas mais cedo, descobrindo a malandragem das ruas, o tamanho da desigualdade e, o pior de tudo, que estão excluídos das coisas boas que o dinheiro oferece. E são humilhadas, nas mesmas ruas que buscam o dinheiro para o feijão, fazendo nascer a revolta que constrói a violência urbana.
No Jardim das Rosas existe muita criança de 8, 9 e 10 anos que deseja para o futuro a sorte de virar criminoso e traficante, porque assim eles têm a certeza de que não passarão necessidades a vida toda (já calculando que a vida toda não é muito, mas vivendo daquele jeito nem precisa tanto tempo). Só com esses exemplos as crianças têm a comprovação de que as coisas mudam, e é por isso que algumas acabam seguindo esse caminho, sem acreditar em nada melhor.
Esse quadro é horrível, e sei mais do que ninguém o quanto dói ouvir sobre ele. Muitos que conseguem sobressair-se dão o fora e nunca mais aparecem na favela, e nem servem como exemplo, pois aquilo que não se vê, não se pode provar. E então sobram os outros exemplos.
Eu acredito que tudo poderia ser diferente se mais pessoas tivessem a consciência que poucos possuem, de mostrar que há caminhos para o sucesso, e também ajudar nos primeiros passos, pois todos precisam de um guia, para acreditar no caminho da luz.

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