quinta-feira, 25 de novembro de 2010

No balanço do buzão

Saí pra procurar um trampo hoje, com a cara e a coragem. Acordei num dia daqueles que a esperança bate na cabeça e nos faz acreditar que será o grande dia de encontrar aquele emprego dos sonhos. O foda é que, muitas vezes, a gente volta pra casa mais desiludido do que o dia anterior.
Procurar emprego em cidade grande parece muito difícil quando não se carrega diploma, certificados, roupas engomadas, gravatinha e, é claro, o famoso Q.I. no cartãozinho da carteira: Quem Indica se tornou quase essencial nos dias de hoje, por isso quanto mais pobre, mais difícil deixar de ser pobre!
Mas o negócio era disfarçar a realidade em que vivemos o máximo que pudesse. Essa era a dica para tentar passar nas primeiras entrevistas. Por isso dei um trato no cabelo, fiz a barba, engraxei aquele sapato que só uso em dias de casamento e que aperta meu pé pra cacete, é bolha no fim da tarde com certeza, mas não tem jeito, tenho que causar boa impressão. Coloquei a roupa de padrinho, a mais social que tenho, por isso não dá pra procurar emprego todo dia: a roupa suja e tenho que esperar lavar de novo para usar.
Mas o drama inicial de procurar emprego é pegar o buzão lotado. Temos que sair em horário de pico, o horário em que todos os peões estão tentando entrar no martão (ônibus biarticulado que cabe um número maior de pessoas), o terminal Capelinha já está um inferninho nesse horário, peão de obra, faxineira, estudante, estagiário, operário, todos os tipos de trabalhadores enfrentam a batalha diária no terminal. A briga não é mais para encontrar um lugar para sentar, mas sim para ficar em pé. Encaixar o pé em alguma parte no chão parece missão impossível, depois tem que dar uma de contorcionista, encaixar a mão em algum lugar que não faça o resto do corpo se desprender na primeira freada brusca do motorista, e ficar atento: sempre que uma pessoa nova entrar no ônibus vai ter de fazer o mesmo processo, se encaixar. Às vezes tento ser educado e abro um espaço que não existe para o novo passageiro entrar, encolho a bunda, a barriga, levanto o pé, dou uma viradinha para a esquerda ou direita (na verdade penso: e se fosse eu?), mas este gesto de educação às vezes causa briga, a pessoa acha que esse ato foi para lhe dar lugar, e não para ela continuar o caminho até achar o local perfeito de seu encaixe. Quantas vezes já fiquei sem colocar o pé no chão de novo, tive torcicolo por não poder virar o pescoço para outro lado, tive que dar bundada para a pessoa saber que encolhi para ela passar e não posso ficar encolhido por muito tempo! Dou um sorriso e digo, “Preciso abaixar o pé”, ou, “Você pode abaixar o braço, por favor?” Nossa! Cada situação que parece até piada contando!
São poucos ônibus, com intervalo grande, para o número de pessoas, e todos parecem sempre estar atrasados. O ônibus sai com as portas abertas e pessoas penduradas. Dentro, todos amontoados, difícil chegar bonitinho numa entrevista. A essa altura já estou com a roupa amassada, o cabelo despenteado por tantos cascudos e braçadas que levei durante a conquista!!
Agora o trajeto quase comum durante o ano: trânsito na estrada de Itapecerica, trânsito na marginal Pinheiros, ou na avenida Santo Amaro. O povo sentado já virou o rosto para a janela, fechou os olhos e dorme o segundo sono. As pessoas que estão no banco ao lado começam a cair, pois também estão no segundo sono, mas sem o escoro da janela, caem para frente, para o lado (ora no ombro do colega peão, ora na pernas de quem tá em pé), ou também faz algo muito comum: a cabeça começa a cair para trás e a boca vai se abrindo aos poucos, até parecer o túnel da Nove de Julho!! Muitas vezes eu também dou risada dessas cenas, uns pescando e outros até roncando!! Mas logo em seguida eu penso que também já me vi nessa situação algumas vezes, que fui obrigado a trabalhar e estudar ao mesmo tempo (exatamente o que estou procurando fazer novamente). Essas pessoas estão tão cansadas que não conseguem controlar o corpo, esse que também já está treinado ao entrar dentro do ônibus.
É, leitor, quem nunca passou por isso? Tá achando que é fácil acordar às cinco e meia da manhã para ir trabalhar o dia inteiro? Do trabalho ir direto para a escola, porque graças ao maravilhoso e caótico trânsito, que prende os trabalhadores em média duas horas e meia do centro até os bairros da zona sul, não resta alternativa a não ser ir direto para os estudos, suado, cansado, descabelado, e já morto de cansaço. Depois chegar em casa às onze horas da noite (isso quando a escola fica a quinze minutos de casa) para jantar, tomar aquele banho, e dormir mais cinco horas novamente. Eis a razão para a presença de tantos pescadores nos ônibus de Sampa.
Mas, enfim, fiz muitas fichas, entreguei currículos em diversas agências, mas este vital do Cassiano não tem nada de especial mesmo. O colegial ainda não está completo, não fiz nenhum curso de aperfeiçoamento. Acho que fui relaxado nessa parte, já devia ao menos ter terminado o ensino médio, mas isso não vem ao caso. Aí, leitor, será que você já passou por algo semelhante ao que vou contar? Se não passou vai passar, a não ser que tenha um “bom” vital ou um bom QI e, é lógico, se a dona do seu lar não lhe encher a cabeça a todo minuto de frases feitas do tipo:
- Você precisa arranjar um emprego logo!
- Quando é que você vai panhar vergonha na cara e aceitar qualquer coisa para ajudar a pagar as contas? E a pior de todas, no auge dos pedidos:
- Deixa de ser vagabundo, Cassiano, você já é um homem feito, tem que ter responsabilidades, não pode ficar escolhendo trabalho, tem que fazer o que aparecer, até faxina!
Agora, leitor, nada contra os faxineiros, mas imaginem só o Cassiano limpando rua, lavando privada! Sei que nada disso é indigno, mas não é para isso que estou estudando, e não é isso que quero para mim. Ainda não me faltam alternativas, também não me sobram, mas ainda não se esgotaram as outras fontes de emprego. Não sei bem o que quero fazer, mas sei que não quero começar minha vida profissional assim. Mas tudo isso parece tão difícil de dona Jacinta entender! Eu quero achar um caminho que ao menos eu tenha prazer em seguir e possa me dar bem um dia. O duro é quando a palavra dela for mais forte que minha decisão... Espero sinceramente que não seja necessário! Não consegui nem uma proposta de trabalho ainda.

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