domingo, 21 de junho de 2009

Senhor tempo bom


O tempo vai passando e, com exceção da Vera Fisher, todos estamos envelhecendo muito rápido, pelo menos aqui na periferia, onde os produtos de rejuvenescimento são privilégios de quem deixa de comer para comprar o tal Renew. As marcas da idade são muito visíveis em nossos rostos, alguns aparentam muito mais idade do que realmente têm. Mas a forma mais banal que posso perceber como o tempo está voando é como expressões, ditados populares, brincadeiras, jogos, desenhos animados da tevê, músicas que eram tão maravilhosas, e até doces que vendiam em qualquer esquina ficaram tão distantes de mim, muitos já desapareceram das prateleiras.
Como já disse para você, sou mesmo uma criança dos anos 80, e como naquela época criança era criança por muito mais tempo, ainda tive muitos privilégios de criança até meados da década de 90, e descobri, por meio de reportagens na tevê, que essa minha geração, em todos os cantos do país, sente muita saudade dessa época e gosta de reviver esses momentos com os amigos sempre que surge uma oportunidade. Talvez por ser uma época na qual a fantasia e a verdadeira infância estivessem muito presentes. Não vejo adultos de outras épocas querendo reviver a infância. Atualmente as crianças querem ser adultos muito rápido e com ajuda dos pais são modelos, executivos, cientistas ainda muito pequenos. Adultos em miniatura, eu diria.
Andei formulando uma lista do que de melhor existiu numa época de diversões diárias e muitos sonhos. Digo isso porque muitas vezes me pego relembrando fatos que eu contava para os amigos acreditando ser verdade, mas na real não passavam de sonhos. Após um dia de aventura eu tinha normalmente uma noite de aventura com muito mais perigo, e conhecia lugares que nunca freqüentei ou havia visto (garotinho de mente fértil). Não sei se iludidos, mas éramos felizes.
Ricardo cruzou o portão da minha casa outro dia e resolvi compartilhar as lembranças. - Isso soa como um disco arranhado, Cassiano.
- Pior é você, Ricardo, que parece uma vitrola quebrada quando começa a falar.
Isso não deve ter significado nenhum para algumas crianças e adolescentes do século 21, uma vez que todos possuem som com CD, e o velho vinil tornou-se peça de colecionador. Mamãe ainda possui uns raros do Antonio Marcos, José Ribeiro, Cascatinha, e outros do gênero. O negócio agora é curtir disqueman em vez de walkman. Por pouco tempo também. A tecnologia tornou-se muito rápida na última década, pois no mercado já está saindo um tal de MP3, onde cabem muitas músicas e é dez vezes menor que o disqueman.
No Natal a molecada se reunia na rua e ficava sonhando com os presentes que eram anunciados na tevê. Todos faziam sua lista: Caloi 10, Monark e a Cecizinha com cestinha eram os maiores sonhos de consumo de meninos e meninas. Eu aguardo a minha Caloi 10 até hoje, foi prometida quando eu fizesse 12 anos. (Na real, todos esperavam, mas no fundo sabiam que não ganhariam mesmo, eram só promessas que os pais faziam para que fôssemos bem na escola e não levássemos bomba no fim do ano. Ser repetente naquela época era sinal de surra de cinta.)
Tevê com 13 canais em que só funcionavam sete, preto-e-branco, com estabilizador para assistir aos programas. A garotada do século 21 só poderá ver no museu, ou se for lá em casa, pois eu ainda tenho essa relíquia que quando ia pifar começava com as faixas pretas que cobriam as pernas das personagens da novela até ser levada para o conserto.
As musas da galerinha já passam dos 30. Luciana Vendramini, Letícia Spiler, Andréia Sorvetão, foram as Paquitas que me fizeram sonhar ser Paquito só para estar do lado delas; e a Simony do Balão Mágico já é mãe de duas crianças.
Estas crianças loucas por Pokémon não tiveram o gosto de calçar um legítimo Bamba ou Kichute do Rambo (personagem que todo moleque valente queria ser). Tinha a Conga, que era feia para burro, o Montreal, que o Silvio Santos sorteava nos programas, mas o luxo mesmo era o tal Le Cheval com luz que acendia no solado quando pisava.
As mães eram boas costureiras, o molde do short curto e camisa de botão era sempre o mesmo. A molecada parecia de uniforme, usavam até a Havaiana azul, adereço típico dos pobres, pois era a mais barata (essa mesma que hoje é sinal de status, exportada pelo mundo afora, e que custa muito mais caro).
Os automóveis figuravam nas mentes dos meninos. Fórmula 1 era tradicional nos domingos de manhã, Airton Senna era o rei. Meu primeiro sonho de consumo nessa área foi um Opala azul metálico com rodas cromadas, depois veio o Gol GTS 1.8 preto, e depois o Escort XR3, vermelho.
- Tá lembrado, Cassiano, como eram os meus desenhos? Você e a galera dentro do meu Opala turbinado, eu fazia as curvas das estradas de Santos nos desenhos livres da aula de Educação Artística.
- Claro que me lembro, você curtia Roberto Carlos só por causa dessa música.
- Mó saudade, hein?!
Até parece que Michael Jackson sempre foi essa caveira branca ambulante que é hoje. No auge do sucesso, cantando Thriller, todas as crianças queriam dançar como ele, e é a imagem do moleque preto com ginga e estilo que ficou na memória de todos nós.
Agora, no cinema, não houve até hoje terror maior do que o Exorcista, Fred Krugger em Sexta-Feira 13 ou Colheita Maldita. Era assistir a um desses e ter pesadelos a semana toda. Ou éramos mais medrosos ou os filmes eram realmente aterrorizantes!
Assistir a Os Trapalhões antes do Fantástico era de lei. Semana do presidente antes do Show de Calouros era terrível, coisa mais chata não existia. As férias eram recheadas com Sessão da Tarde Especial, com filmes dos Trapalhões, da Xuxa, Rambo e Rock, que tornaram o Silvester Stalone O Cara. Também havia os especiais de Natal, sem falar no Magaiver, o cara que tinha solução para tudo. Goonies eram a aventura que toda criança sonhava em viver e ET era o bichinho que todos queriam que caísse no quarto.
Mas também tinha os seriados que nos prendiam por algumas horas do dia. Armação Ilimitada, Vila Sézamo, Perdidos no Espaço, Elo Perdido, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Os Monstros, Punk - A Levada da Breca, e Chaves e Chapolim, que romperam as barreiras e são sucesso até hoje.
“Ninguém tem paciência comigo!” “Diz que sim, diz que sim, vai!” “Tesouro, não se misture com essa gentalha!”. Seu Madruga era o melhor.
- Impressionante como, mesmo vendo tanta coisa na tevê, ainda encontrávamos tempo para brincar. As horas pareciam ser muito mais longas na rua, para inventarmos tantas brincadeiras diferentes e ainda bater papo no fim da tarde! Quer dizer, contar lorota!
- Você era o maior colecionador de minigarrafinhas de refrigerante, tinha umas com logotipo escrito em árabe, russo, japonês, e não deixava ninguém colocar a mão!
- Puta, eu era mó egoísta, né, Cassiano? Tá lembrado daquele vizinho que a mãe trabalhava para bacana, e sempre trazia brinquedos maneiros para ele, e depois de brincar um pouco jogavam fora ainda em ótimo estado!
- E agente sempre ficava na espreita no muro, para ser os primeiros a escolher no lixo, ahahah! Os meus melhores brinquedos vieram daquele lixo!
- Divertido mesmo eram as festinhas de aniversário daquela casa, eu dançava lambada muito bem, lembra do concurso que participei na festa e até ganhei uma sacola de prêmios?
- Lembro mesmo era você dançando ao som dos Menudos, “Canta, dança, sem parar, não se reprima, não se reprima, uol, uol”!
- Confessa, Cassiano, você era fã dos caras, até lembra a letra direitinho!
- “Dá pra mim, o teu amor, dá pra mim, porque eu te quero!” Do Polegar, tá lembrado dessa? Você cantava para as minas quando queria xavecar, e quando eu fui tentar te imitar e levei um tapão na cara, da Marcinha!
- Isso era só para os bons! Ahaha!
- Me lembro que nessa festa tinha gincana com brincadeiras, e um maluco metido a ladrão estourou a bexiga da Nay para que ela ganhasse a brincadeira e o saco de doces. Ela ganhou, e saiu correndo para casa feliz da vida com tantos doces, e o maluco me ameaçou de morte (ele tinha um buraco de bala no queixo e disse que matar um baba ovo não dava remorso nele), e que se eu não trouxesse um Lanche do Fofão ia amanhecer com a boca cheia de formiga! Agora me diz se tem cabimento isso hoje, um ladrãozinho de lanche de crianças! A Nay reclamou porque não queria perder o doce que já teria de dividir com os irmãos, mas depois do meu apelo emocionado (chorava e tremia como um doido) cedeu o Mirabel! (Agora tive vontade de rir... essa foi de lascar!)
- E nas paradas do sucesso: Dominó, New Kids on the Block, Tremendo, com todas as meninas chorando e escrevendo cartas quilométricas para o Gugu no quadro sonho maluco do Viva a noite, para realizar o sonho de conhecer os caras!!
- Lembra da aposta para descobrir quem matou Odete Roittman?
- “Embarque neste carrossel, onde o mundo faz de conta a terra é quase o céu”. O que te lembra essa melodia?
- Ouvir a metros de casa no fim da tarde, abandonar as brincadeiras e todos se entreolharem e dizer: “Começou Carrossel!” E correr para frente da tevê para chorar com as maldades que a Maria Joaquina fazia com o pobre do Cirilo.
- E Pantanal! A gente era louco para ver a Juma sem roupa!
- Febre mesmo foi a dos seriados japoneses. Mandraque, Batman, Homem-Aranha, Super-Homem, Thor, Mulher Maravilha e outros heróis americanos ficaram esquecidos por um tempo, o negócio era curtir Jaspion, Giraya, Ultraman e Chageman. A indústria novamente lucrou muito com brinquedos e a imagem dos heróis em tudo que podiam vender!!
- Bozo era o Rei, o preferido de todos e também muito requisitado nas duas décadas (trocando de ator sempre, é claro): “Cantem comigo molecada: chuveiro, chuveiro não molha o meu cabelo, chuveiro, chuveiro não faz assim comigo, chuveiro, chuveiro não molha o meu amigo!!” Papai Papudo, Bozolina. Vovó Mafalda (que depois descobrimos ser um homem, que tristeza e decepção pra molecada!) Cantava muito animada a música das caveiras, tumbalacatumba tumba tá! Como era boa a batalha naval.
- Aprendi a desenhar com Daniel Azulay, mano, altos ensinamentos na tevê, tá ligado no Bambalalão e no Catavento? Não perdia esses também.
- Eu tinha medo do Fofão, diziam que havia uma faca na barriga do boneco!
- Lendas! A Boneca da Xuxa também não era demoníaca! Quem inventava essas coisas, hein?!!
- Tinha uns seriados maneiros, só que eram mais para os adultos, A Gata e o Rato, Manimal, Hulk, Casal 20, As Panteras.
- Desenhos animados não tem para ninguém, só quem pôde desfrutar daquelas obras-primas foi nossa década, a menos que alguém tenha piedade e resolva reprisar para essas crianças. Acho que elas estão perdidas com esses desenhos quadrados que lotam a tevê hoje.
- Ursinhos Gummys, Caverna do Dragão, Pequeno Príncipe, Thundercats, Super-Amigos...
- Clássicos, né, Cassiano! Pantera Cor-deRosa, Poli Position, Corrida Maluca, Capitão Caverna, Ursinhos Carinhosos, Gato Félix, A turma do Manda chuva, Super Mouse, Popous, Luluzinha, Smurfs, Heman...
- Esse virou até música com o Trem da Alegria. E a She-ha, Jonny Quest, Ferrorama, Nossa Turma, Pica-Pau, Os Smonkeis, Jenny e as Desajustadas. Os Animais do Bosque dos Vinténs era um clássico da tevê cultura. Pobres animais! Eu e meus irmãos até chorávamos porque em cada episódio morria um bicho tentando chegar no parque da garça branca, o paraíso deles, a raposa, o texugo, a doninha, os ratos, os ouriços, a cobra, o sapo, a toupeira...
- Que memória a sua Cassiano! Cara, assim você me supera, seu fanático! Lembra do Praga, o Dengue, no Show da Xuxa, você adorava cantar aquela...Como era mesmo... Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel...
- Que mentira, Rico! Você era o maior pilantra, o capeta em forma de gente, colocava casa de abelha na ponta do cabo de vassoura e depois tentava jogar em cima das meninas cantando essa música.
- Ahahaha! Que faziam o maior escândalo e saíam correndo!
- E você atrás, doce, doce, doce; o capeta em forma de guri, cantava o Sérgio Malandro especialmente para você! Certa vez você desenhou a Formiga Atômica na lousa, e disse para todos que era a professora Valdete, ela te colocou de castigo. A sala inteira disparou em gargalhadas, quando você ficou atrás da porta com o chapéu de burro e imitou o Pica-Pau, rebolando e colocando chifrinhos em sua cabeça sem dar a menor importância para o castigo.
- Colecionador de gibi e álbum de figurinha!!! Tio Patinhas (sempre quis ser ele só para nadar no dinheiro), He-Man, Capitão Marvel.
- Viciado, minha irmã tinha as do Amor Perfeito, e de todas as novelas, Vamp, Que Rei Sou Eu, Roque Santeiro, Carrossel!! Roubava as moedas do pão para continuar o vício, depois trocava as repetidas e jogava bafo, e sempre ganhava. Aí, Cassiano eu já era foda naquela época, hein?!
- E os brinquedos que nunca chegaram nas nossas mãos, só pela tevê, mesmo!! Autorama, Comandos em Ação, Playmobil, Forte Apache, Genius, Pogo Ball, Banco Imobiliário, Jogo da Vida!!
- Dama a gente tinha, né, eu desenhei uma no sulfite e colei na cartolina, e as peças eram de pedras vermelhas e pedras brancas, o futebol de botão também, com pregos numa folha de madeira grande, pedrinhas e palheta de madeira!
- O jogo de vareta fui eu que fiz!! Palito usado de churrasco pintado de guache!! Ahaha, que eca, hein! Mas divertiu da mesma forma que um original.
- Bom mesmo era brincar na rua, não precisava ter trabalho com os brinquedos. Alerta, mamãe da rua, amarelinha, barra manteiga, barreira, estrela nova sela, polícia e ladrão, esconde-esconde, queimada...
- Bolinha de gude, gato mia, rouba bandeira, ajuda-ajuda, vivo ou morto, baliza, cabo de guerra, caiu no poço...
- Essa eu adorava, pêra, uva, maçã ou salada mista: passeio no bosque, abraço, beijo no rosto, ou tudo junto mais um beijo na boca. Dei meu primeiro beijo numa dessas. Daquele jeito. Escolhia a menina, prometia algo pro cara que tampava o olho e depois esperava o toque para beijar a menina certa!!
- Moleque malandro!!
-Moleques malandros, porque você também tentava fazer isso, mas tinha azar e só pegava as fubangas!! Mas a melhor das brincadeiras eram as peladas!! Eu era um craque, artilheiro de mão cheia, era sempre gooooooooooooollllllllllll, do Ricoooo!!! “Bota na seleção”, todos gritavam!!
Até que tivemos uma puta infância, em Cassiano!! Quanta coisa divertida, eu vou tentar lembrar de tudo isso para contar para os meus filhos, e vou ensinar todas as brincadeiras que a gente curtiu!
-Tá pensando em sair da estrada, Rico??
-Ainda não, mas daqui há uns 3 anos eu acho que me aposento, a correria tá foda!! Eu terei filhos e vou morar bem longe desta podreira aqui!
- Que é, isso irmão, cuspindo no prato que comeu?!
-Sem moral para cima de mim, Cassiano! Nesse prato quem colocou a comida foi a minha mãe e muitas vezes eu, se não, tinha morrido de fome! Isso aqui nunca mais será como fora quando éramos crianças, tudo está poluído, os rios não passam de corgos imundos, que sempre que chove demais inundam nossas casas. Nem as crianças de hoje são parecidas com o que fomos, já nascem com a malícia, aprendem a falar mamãe, nem sempre papai, e depois porra, caralho, ensinado pelos outros irmãos e o próprios pais, é claro!!
- Eu só fui soltar um palavrão desses, mesmo, depois dos 11 anos, eu acho!! E mesmo assim quando soltei perto da dona Jacinta, levei um tapa tão forte na boca, que até hoje eu me seguro para não pronunciar perto dela!!
- Então, cara, eu não quero isso para os meus filhos, com eles o negócio vai ser bem diferente, vão ter que andar na linha!!
No Jardim das Rosas passamos nossa infância batendo a chepa na escola, muitas vezes por falta de comida em casa, soltando capucheta e as pipas mais invocadas da região; rodando pião para eleger os melhores, bolinha de gude, sendo crianças em um jardim da zona sul, mas acabou!!
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Um comentário:

edmundo disse...

Nao havia te dado muitos creditos quando vc me disse que escrevia, mas reconheco que estava enganado.
Li alguns de seus textos e confesso que fiquei com vontade de mais! Parabens!
Eduardo