terça-feira, 11 de março de 2008

Quando um mano morre


Quando um mano morre, a gente fica mal e não sabe muito o quê fazer.

Na periferia a gente tem esse sentimento uma porção de vezes, e mesmo não contando muita idade, podemos contar muitos amigos falecidos.

Ninguém decide como morrer, mas quando decidimos nossas rotas, decidimos nosso caminho e nosso futuro é o reencontro. Ficamos tristes, bate um sentimento de vazio, ódio, revolta, vingança e medo.

Quando um mano morre, eu faço poesia!

Mais um assassinato
No bairro do Rosa.
Foi um adolescente
Colega de escola
O motivo, a verdade
Ao certo não se sabe.

Foi a sangue frio,
Dois pivetes e um fuzil.

O sangue esbanjava
A multidão acumulava.
No dia seguinte muita gente seguia
Alguns choravam
E outros sérios ficavam
Uns eram amigos
Outros conhecidos.

Aqueles que riram,
Com certeza nada viram
Não eram da família
Muito menos um amigo.

Juventude transviada,
Adolescentes sem palavra
Vão morrendo a cada dia
Milhares de jovens sem vida
Cuja mente já está vazia

Ao mano Boy!

Nem sempre conheço os mortos que caem na minha frente, mas, mesmo assim, sinto desejo de fazer uma homenagem! Só Deus pode nos julgar.

Quinze de novembro
Ele entrou,
Pediu um guaraná,
Talvez fosse o último,
Não podia imaginar.

Chegou de mansinho,
Com cara de anjinho.
Subiu as escadas,
Estava assustado
Quando viu os caras
Quase pulou para trás!
Ainda pediu misericórdia
Mas era tarde.

Foi agarrado pela gola
Tirado da casa
Aos chutes ele desmaia
Tão novinho, coitado!
Não podiam imaginar
Algo de errado
Com certeza está no ar.

Morrer desse jeito
Isso não é normal.
As senhoras ao vê-lo
Só comentavam esses ensejos.
Foi levado para rua
Espancado, pisoteado
Oito tiros na cabeça
Estirado na sarjeta.

A multidão acumulando
Todo mundo só olhando e comentando.
A madrugada chegou
A chuva entornou.
Sua mãe sabe-se lá!
Talvez dormindo
Sonhando com anjinhos,
Sem saber onde anda seu querido filhinho.

A polícia chegou,
No camburão o jogou,
Foi pro I-M-L
Esperar o reconhecimento,
Que a família procure
O menino que não voltou para casa.

Ao mano sem nome.


Quando o mano Lê morreu senti a maior das dores do mundo.

Queria fugir daqui, entrar num túnel sem fim, viajar numa galáxia bem distante, esquecer de tudo o que está acontecendo, só não queria presenciar mais nada, só não queria ficar ali!

Era fim de tarde quando eu chegava do trampo, duas viaturas me pararam, pediram os documentos e comentaram do assassinato de um jovem. Perguntaram-me se eu não havia visto nada de suspeito, fiquei curioso, afinal quem teria sido a última vítima do momento, com certeza deve, ninguém morre por acaso. Que pensamentos os meus! Às vezes esqueço como é o mundo em que vivo, a maioria tem esse como o primeiro pensamento quando ouve de alguma morte na periferia. Mal sabia eu que ali a poucos metros estava meu amigo Lê. Ainda na descida para chegar no local do assassinato avistei Nay, que veio desesperada ao meu encontro. Meu coração disparou, pensei logo nos irmãos. Minhas pernas paralisaram, e como pressentimento, lembrei do Lê. Nay chorava desesperada, e puxava minha mão. Eu não queria segui-la, mas quando dei por mim, já estava frente a frente com meu mano desfigurado pelas balas, e a caneta na mão. Ajoelhei-me próximo ao corpo e fiquei estático, o sangue empoçado me parecia impossível ser dele. Lembrei de quando éramos crianças e os olhos dele se enchiam de lágrimas quando ouvia um trovão, ele lembrava do irmão e dizia sobre o medo da morte.

Essa foi pra você, irmão!

Meu passado é distante
Lembranças
Um lugar seguro
Cai à chuva lava a alma
Vem o sol torra a palma
Bala maldita
Tristeza infinita
Foste simples em vida
Saudade não alivia
O ronco daquela moto
Como o barulho do trovão
Lembro-me daquela flecha
Que te arrasou, meu irmão.

Não caiam lágrimas agora
Seja forte, meu caro espelho!
Protesto em silêncio
Todos choram no momento
O tempo
O sentimento.

Ao mano Lê

Nenhum comentário: